PSICOPATOLOGIA
Introdução à Psicopatologia: definição de psicopatologia e conceito de normalidade em psicopatologia. Forma e conteúdo dos sintomas. O diagnóstico em psicopatologia Psico: mente Pato: doença, transtorno Logia: estudo Psicopatologia é o ramo da ciência que trata da natureza essencial da doença mental, suas causas, as mudanças estruturais e funcionais associadas a ela e suas formas de manifestação. A psicopatologia pode ser definida como o conjunto de conhecimentos referentes ao adoecimento mental do ser humano. É um conhecimento que se esforça por ser sistemático, elucidativo e desmistificante. Como conhecimento que visa ser científico, não inclui critérios de valor, nem aceita dogmas ou verdades a priori. O psicopatólogo não julga moralmente o seu objeto, busca apenas observar, identificar e compreender os diversos elementos da doença mental. A psicopatologia estuda especialmente como são os transtornos, não a sua
causa ou tratamento. Procura, portanto, estudar as manifestações clínicas das doenças mentais. É um estudo descritivo dos transtornos, então e não explicativos. O psicopatólogo {Observa}. {Não julga moralmente}. { Identifica}. { Compreende}. A psicopatologia tem suas raízes na tradição médica, mas também se nutre de uma tradição humanística. Para Karl Jasper (1883-1969) a psicopatologia é uma ciência básica que serve como auxílio à psiquiatria. Conceito de normalidade: O conceito de saúde e de normalidade em psicopatologia é questão de grande controvérsia. Obviamente, quando se trata de casos extremos, cujas alterações comportamentais e mentais são de intensidade acentuada e de longa duração, o delineamento das fronteiras entre o normal e o patológico não é tão problemático. Entretanto, há muitos casos limítrofes, nos quais a delimitação entre comportamentos e formas de sentir normais e patológicas é bastante
difícil. Nessas situações, o conceito de normalidade em saúde mental ganha especial relevância. Alias o problema não é exclusivo da psicopatologia, mas de toda a medicina (Almeida Filho, 2001); tome-se como exemplo a questão da delimitação dos níveis de tensão arterial para determinação de hipertensão ou de glicemia, na definição da diabete. Esse problema foi cuidadosamente estudado pelo filósofo e médico Frances Georges Canguilhem (1978) cujo livro “O normal e o patológico” tornou-se indispensável em tal discussão. O conceito de normalidade em psicopatologia também implica a própria definição do que é saúde e doença mental. CRITERIOS DE NORMALIDADE Há vários critérios de normalidade e anormalidade em medicina e psicopatologia. A adoção de um ou outro depende, entre outras coisas, de opções filosóficas, ideológicas e pragmáticas do profissional ( Canguilhem, 1978). Os principais critérios de normalidade utilizados em psicopatologia são:
1° Normalidade como ausência de doença: O primeiro critério que geralmente se utiliza é o de saúde como ausência de sintomas, de sinais ou de doenças. Segundo expressiva formulação de René Leriche (1936): a saúde é a vida no silêncio dos órgãos. Normal, do ponto de vista psicopatológico, seria, então, aquele indivíduo que simplesmente não é portador de um transtorno mental definido. Tal critério é bastante falho e precário, pois, além de redundante, baseia-se em uma definição negativa, ou seja, define-se a normalidade não por aquilo que ela supostamente é, mas, sim, por aquilo que ela não é, pelo que lhe falta (Almeida Filho; Jucá, 2002). 2° Normalidade ideal: A normalidade aqui é tomada como uma certa utopia. Estabelece-se arbitrariamente uma normal ideal, o que é supostamente sadio, mais evoluído. Tal norma é, de fato, socialmente constituída e referendada. Depende, portanto, de critérios sócio culturais e ideológicos arbitrários, e, às vezes, dogmáticos e doutrinários. Exemplos de tais conceitos de normalidade são aqueles com base na adaptação do indivíduo às normas morais e políticas de determinada sociedade (como o pseudodiagnóstico de dissidentes políticos como doentes mentais na antiga União Soviética).
3° Normalidade estatística: A normalidade estatística identifica norma e frequência. Trata-se de um conceito de normalidade que se aplica especialmente a fenômenos quantitativos, com determinada distribuição estatística na população geral (como peso, altura, tensão arterial, horas de sono, quantidade de sintomas ansiosos, etc). O normal passa a ser aquilo que se observa com mais frequência. Os indivíduos que se situam estatisticamente fora (ou no extremo) de uma curva de distribuição normal passam, por exemplo, a ser considerados anormais ou doentes. É um critério muitas vezes falho em saúde geral e mental, pois nem tudo o que é frequente é necessariamente saudável, e nem tudo que é raro ou infrequente é patológico. Tomem-se como exemplo fenômenos como as cáries dentárias, a presbiopia, os sintomas ansiosos e depressivos leves, o uso pesado de álcool, fenômenos estes que podem ser muito frequentes, mas que evidentemente não podem, a priori, ser considerados normais ou saudáveis. 4 ° Normalidade como bem-estar: A Organização Mundial de Saúde (OMS) definiu, em 1946, a saúde como o completo bem-estar físico, mental e social, e não simplesmente como ausência de doença. É um conceito criticável por ser muito vasto e impreciso, pois bem-
estar é algo difícil de se definir objetivamente. Além disso, esse completo bem-estar físico, mental e social é tão utópico que poucas pessoas se encaixariam na categoria saudáveis. 5 ° Normalidade funcional: Tal conceito baseia-se em aspectos funcionais e não necessariamente quantitativos. O fenômeno é considerado patológico a partir do momento em que é disfuncional, produz sofrimento para o próprio indivíduo ou para seu grupo social. 6° Normalidade como processo: Neste caso, mais que uma visão estática, consideram-se os aspectos dinâmicos do desenvolvimento psicossocial, das desestruturações e das reestruturações ao longo do tempo, de crises, de mudanças próprias a certos períodos etários. Esse conceito é particularmente útil em psiquiatria infantil, de adolescentes e geriátrica. 7° Normalidade subjetiva: Aqui é dada maior ênfase à percepção subjetiva do próprio indivíduo em relação a seu estado de saúde, às suas vivências subjetivas. O ponto falho desse critério é que muitas pessoas que se sentem bem, muito saudáveis e felizes, como no caso de sujeitos em fase maníaca, apresentam, de fato, um transtorno mental grave.
8° Normalidade como liberdade: Alguns autores de orientação fenomenológica e existencial propõem conceituar a doença mental como perda da liberdade existencial. Dessa forma, a saúde mental se vincularia às possibilidades de transitar com graus distintos de liberdade sobre o mundo e sobre o próprio destino. A doença mental é constrangimento do ser, é fechamento, fossilização das possibilidades existenciais. Dentro desse espírito, o psiquiatra gaúcho Cyro Martins (1981) afirmava que a saúde mental poderia ser vista, até certo ponto, como a possibilidade de dispor de senso de realidade, senso de humor e de um sentido poético perante a vida, atributos estes que permitiriam ao indivíduo relativizar os sofrimentos e as limitações inerentes à condição humana e, assim, desfrutar do resquício de liberdade e prazer que a existência oferece. 9° Normalidade operacional: Trata-se de um critério assumidamente arbitrário, com finalidades pragmáticas explícitas. Define-se, a priori, o que é normal e o que é patológico e busca-se trabalhar operacionalmente com esses conceitos, aceitando as consequências de tal definição prévia. Portanto, de modo geral, pode-se concluir que os critérios de normalidade e de doença em psicopatologia variam consideravelmente em função dos
fenômenos específicos com os quais se trabalha e, também, de acordo com as opções filosóficas do profissional. Além disso, em alguns casos, pode-se utilizar a associação de vários critérios de normalidade ou doença, de acordo com o objetivo que se tem em mente. De toda forma, essa é uma área da psicopatologia que exige postura permanentemente crítica e reflexivas dos profissionais. Forma e conteúdo dos sintomas: Em geral, quando se estudam os sintomas psicopatológicos,dois aspectos básicos costumam ser enfocados: forma dos sintomas, isto é, sua estrutura básica, relativamente semelhante, nos diversos pacientes (alucinação, delírio, ideia obsessiva, labilidade afetiva, etc.), e seu conteúdo, ou seja, aquilo que preenche a alteração estrutural (conteúdo de culpa, religioso, de perseguição, etc.) De modo geral, os conteúdos dos sintomas estão relacionados aos temas centrais da existência humana, tais como sobrevivência e segurança, sexualidade, temores básicos (morte, doença, miséria), religiosidade, entre outros.
O diagnóstico em psicopatologia: Baseia-se, principalmente no perfil de sinais e sintomas apresentados pelo paciente na história da doença e no momento da entrevista. Por exemplo, ao ouvir do paciente ou familiar uma história de vida repleta de sofrimentos, fatos emocionalmente dolorosos, ocorridos pouco antes do eclodir dos sintomas, a tendência natural é estabelecer o diagnóstico de um transtorno psicogênico, como psicose psicogênica, histeria, depressão reativa, etc. Mas isso pode ser um equívoco. A maioria dos quadros psiquiátricos seja ele de etiologia psicogênica, endonegética ou mesmo orgânica, surge após eventos estressantes da vida. Alem disso é frequente que o próprio eclodir dos sintomas psicopatológicos contribuam para o desencadeamento de eventos da vida (como perda do cônjuge, separações, perda de emprego, brigas familiares, etc.). Deve-se, portanto, manter duas linhas paralelas de raciocínio clínico; uma linha diagnóstica, baseada fundamentalmente na cuidadosa descrição evolutiva e atual dos sintomas que de fato o paciente apresenta, e uma linha etiológica, que busca a totalidade de dados biológicos, psicológicos e sociais, uma formulação hipotética plausível sobre possíveis fatores etiológicos envolvidos no caso. O diagnóstico psicopatológico repousa sobre a totalidade dos dados clínicos, momentâneos
(exame psíquico) e evolutivos (anamnese: história dos sintomas e evolução dos transtornos). É essa totalidade clínica quer, detectada, avaliada e interpretada com conhecimento (teórico e científico) e habilidade (clínica e intuitiva) conduz o diagnóstico psicopatológico. Então o diagnóstico é, em inúmeros casos, apenas possível com a observação do curso da doença. Deve ser sempre pluridimensional: várias dimensões clínicas e psicossociais devem ser incluídas para uma formulação diagnóstica completa: identifica-se um transtorno psiquiátrico como a esquizofrenia, a depressão, a histeria, a dependência do álcool, etc., diagnosticam-se as condições ou doenças físicas associadas (hipertensão, cirrose hepática, cardiopatias, etc.) e avaliam-se a personalidade e o nível intelectual deste doente, a sua rede de apoio social, além de fatores ambientais, protetores ou desencadeantes. Tópico 4: Entrevista Psiquiátrica: Anamnese, Identificação e história Clínica. Apresentação da anamnese do ponto de vista psiquiátrico clínico e abordagem de seus principais tópicos.
A avaliação do paciente em psicopatologia é feita principalmente por meio da entrevista. Extrair um conhecimento relevante do encontro com o doente e, neste encontro, agir deforma útil e criativa, eis um dos eixos básicos da prática profissional em saúde mental. A entrevista psicopatológica permite a realização dos dois principais aspectos da avaliação: a) A anamnese, ou seja, o histórico dos sinais e dos sintomas que o paciente apresenta ao longo de sua vida, seus antecedentes pessoais e familiares, assim como de sua família e meio social. b) O exame psíquico, também chamado exame do estado mental atual. A história psiquiátrica do paciente deve ser observada a partir dos itens: 1- Identificação (nome, idade, sexo) 2- Queixa principal 3- Interrogatório sintomatológico complementar **Alguns dos aspectos considerados mais relevantes sobre a técnica de entrevista 4- Antecedentes mórbidos pessoais 5- Antecedentes patológicos familiares consanguíneos e parentes não consanguíneos 6- Relacionamento e dinâmica Familiar 7- Exame físico** 8- Exame neurológico** 9- História de vida (anamnese) 10-Resultados das avaliações complementares 11-Hipóteses diagnósticas 12-Planejamento terapêutico e ações terapêuticas **Alguns dos aspectos considerados mais relevantes sobre a técnica de entrevista 13- Tópico 5: Anamnese: História de vida. Como destacar os tópicos mais importantes da biografia do paciente. 14- Tópico 6: Exame Psíquico: Contato, Apresentação e Atitude. Observação clínica do paciente conforme estes tópicos. 15- Tópico 7: Exame Psíquico: Sensopercepção: Estudo da sensopercepção e suas alterações. 16- Tópico 8: Exame Psíquico: Consciência e Orientação. Consciência Neurológica e Psíquica. Orientação Alopsíquica e Autopsíquica e suas alterações. 17- Tópico 9: Exame Psíquico: Atenção e memória. O estudo da Atenção e da Memória e suas alterações. 18- Tópico 10: Exame Psíquico: Pensamento. Seu estudo em estado normal e patológico 19- Tópico 11: Exame Psíquico: Volição. Estudo da Volição e suas alterações 20- Tópico 12: Exame Psíquico: Psicomotricidade, Pragmatismo, Crítica e Noção de Doença. O estudo e avaliações destes tópicos e suas alterações 21- Tópico 13: Exame Psíquico: Humor e Afeto. Estudo do Humor e da Afetividade e suas alterações. 3: Exame Psíquico: Humor e Afeto. Estudo do Humor e da Afetividade e suas alterações. Anamnese – O termo vem do grego ana (remontar) e mnesis (memória). Para nós, a anamnese é a evocação voluntária do passado feita pelo paciente, sob a orientação do médico ou do terapeuta. O objetivo dessa técnica é o de organizar e sistematizar os dados do paciente, de forma tal que seja permitida a orientação de determinada ação terapêutica com a respectiva avaliação de sua eficácia; o fornecimento de subsídios para previsão do prognóstico; o auxílio no melhor atendimento ao paciente, pelo confronto de registros em situações futuras. Não podemos deixar de lado o fato de que essa técnica advém de uma relação interpessoal, na qual ao terapeuta cabe, na medida do possível, não cortar o fluxo da comunicação com seu paciente, assim como, paralelamente, não deixar de ter sob sua mira aquilo que deseja saber. Para tanto, faz-se necessário que um esquema completo do que perguntar esteja sempre presente em sua mente. Assim, diante de um paciente que se apresente prolixo ou lacônico, estes não serão fatores de empecilho para que se possa delinear sua história. Ao entrevistador inexperiente cabe lembrar o cuidado em não transformar coleta de dados em interrogação policial. Um equilíbrio entre neutralidade, respeito e solidariedade ao paciente deve ser mantido. O paciente deve perceber o interesse do entrevistador e não o seu envolvimento emocional com a sua situação. Muitas vezes, não se consegue ter todo o material em uma única entrevista, principalmente em instituições em que o número de pacientes e a exiguidade do tempo de atendimento tornam-se fatores preponderantes. É aconselhável que a entrevista seja conduzida de uma maneira informal, descontraída, com termos acessíveis à compreensão do paciente, porém bem estruturada. Em uma anamnese, acaba-se por fazer dois cortes na vida do paciente: um longitudinal ou biográfico e outro transversal ou do momento. No corte longitudinal, podemos localizar os registros das histórias pessoais, familiar e patológica pregressas. No corte transversal, enquadraríamos a queixa principal do sujeito, a história da sua doença atual e o exame psíquico que dele é feito. O roteiro para sua execução pode sofrer algumas poucas variações, em função daquilo a que se propõe, porém a estrutura básica que aqui será colocada é aquela da anamnese médica clássica. Nele constam: a identificação do paciente; o motivo da consulta ou queixa que o traz ao médico ou terapeuta; a história da doença atual; a história pessoal; a história familiar (estas duas poderão vir sob o mesmo título: História Pessoal e Familiar); a história patológica pregressa; um exame psíquico; uma súmula psicopatológica; uma hipótese de diagnóstico nosológico. Além disso, é de nosso interesse que, após a anamnese propriamente dita, conste uma proposição de uma hipótese psicodinâmica, um planejamento para que se conduza o caso e uma breve descrição da atuação terapêutica junto ao paciente em questão. Alguns cuidados terão que ser tomados ao se fazer uma anamnese: – As informações fornecidas pelo paciente devem constar como de sua responsabilidade. Daí, na redação, serem usados verbos como relatar, declarar, informar, tendo o paciente como sujeito deles. Ex: Paciente informa ter medo de sair à rua sozinho… Outras expressões como: conforme relato do paciente…, de acordo com declarações do paciente… são usadas, sempre com o intuito de aclarar que o que estiver sendo registrado é baseado no que é informado pelo entrevistado.
– Sempre que forem usadas expressões do entrevistado, estas virão entre aspas. – Depois de identificado o paciente, no item I da anamnese, aparecerão apenas as suas primeiras iniciais ao longo do registro. A próxima etapa será o desenvolvimento da anamnese propriamente dita. I. IDENTIFICAÇÃO – Os dados são colocados na mesma linha, em sequencia (tipo procuração). Dela constam os seguintes itens: – Somente as iniciais do nome completo do paciente, uma vez que, por extenso, constará o mesmo do seu prontuário ou ficha de triagem (ex: R.L.L.P.); – Idade em anos redondos (ex. 35 anos); – Sexo; – Cor: branca, negra, parda, amarela; – Nacionalidade; – Grau de instrução: analfabeto, alfabetizado, primeiro, segundo ou terceiro grau completo ou incompleto; – Profissão; – Estado civil – não necessariamente a situação legal, mas se o paciente se considera ou não casado, por exemplo, numa situação de coabitação; – Religião; – Número do prontuário. II. QUEIXA PRINCIPAL (QP) Neste item, explicita-se o motivo pelo qual o paciente recorre ao Serviço em busca de atendimento. Caso o paciente traga várias queixas, registra-se aquela que mais o incomoda e, preferencialmente, em não mais de duas linhas. Deve-se colocá-la entre aspas e nas palavras do paciente. Ex: Tô sem saber o que faço da minha vida. Acho que é culpa do governo. III. HISTÓRIA DA DOENÇA ATUAL (HDA) – Aqui se trata apenas da doença psíquica do paciente. Registram-se os sintomas mais significativos, a época em que começou o distúrbio; como vem se apresentando, sob que condições melhora ou piora. Indaga-se se houve instalação súbita ou progressiva, se algum fato desencadeou a doença ou episódios semelhantes que pudessem ser correlacionados aos sintomas atuais.Alguma coisa fazia prever o surgimento da doença?
Houve alguma alteração nos interesses, hábitos, comportamento ou personalidade? Quais as providências tomadas? Averigua-se se já esteve em tratamento, como foi realizado e quais os resultados obtidos, se houve internações e suas causas, bem como o que sente atualmente. Pede-se ao paciente que explique, o mais claro e detalhado possível, o que sente. É importante lembrar que ao se fazer o relato escrito deve haver uma cronologia dos eventos mórbidos (do mais antigo para o mais recente). Aqui também são anotados, se houver os medicamentos tomados pelo paciente (suas doses, duração e uso). Caso não tome remédios, registra-se: Não faz uso de medicamentos. Neste item busca-se, com relação à doença psíquica, como ela se manifesta, com que frequência e intensidade e quais os tratamentos tentados. IV. HISTÓRIA PESSOAL (HP) – Coloca-se, de forma sucinta, separando-se cada tópico em parágrafos, dados sobre a infância, educação, escolaridade, relacionamento com os pais, relacionamento social, aprendizado sobre sexo…, enfim, tudo o que se refere à vida pessoal do paciente. Não se titulam esses tópicos, apenas relata-se a que se refere cada um deles. Apreciam-se as condições:
– De nascimento e desenvolvimento: gestação (quadros infecciosos, traumatismos emocionais ou físicos, prematuridade ou nascimento a termo), parto (normal, uso de fórceps, cesariana), condições ao nascer. Se o paciente foi uma criança precoce ou lenta, dentição, de ambulação (ato de andar ou caminhar), como foi o desenvolvimento da linguagem e a excreta (urina e fezes). Ex: Paciente declara ter nascido de gestação a termo, parto normal…. – Sintomas neuróticos da infância: medos, terror noturno, sonambulismo, sonilóquio (falar dormindo), tartamudez (gagueira), enurese noturna, condutas impulsivas (agressão ou fuga), chupar o dedo ou chupeta (até que idade), ser uma criança modelo, crises de nervosismo, tiques, roer unhas. Ex: A.F. informa ter tido muitos pesadelos e insônia, além de ser uma criança isolada até os 9 anos…. – Escolaridade: anotar começo e evolução, rendimento escolar, especiais aptidões e dificuldades de aprendizagem, relações com professores e colegas, jogos mais comuns ou preferidos, divertimentos, formação de grupos, amizades, popularidade, interesse por esportes, escolha da profissão. Ex: Afirma ter ido à escola a partir dos 10 anos, já que não havia escolas próximas à sua casa… ou afirma ter frequentado regularmente a escola, sempre com idade e aprendizado compatíveis…. – Lembrança significativa: perguntar ao paciente qual sua lembrança antiga mais significativa que consegue recordar. O objetivo é observar a capacidade de estabelecer vínculos, além do auxílio à compreensão da ligação passado-presente. Ex: Foi quando minha mãe estava limpando uma janela, bateu com a cabeça e caiu no chão. Era tanto sangue que pensei que ela estava morta. Nessa época, eu tinha 3 anos. – Puberdade: época de aparição dos primeiros sinais; nas mulheres, a história menstrual (menarca: regularidade, duração e quantidade dos catamênios; cólicas e cefaléias; alterações psíquicas, como nervosismo, emotividade, irritabilidade, depressão; menopausa, última menstruação). Ex: Paciente relata que os primeiros sinais da puberdade ocorreram aos onze anos e que obteve informações sobre menstruação… – História sexual: aqui se registram as primeiras informações que o paciente obteve e de quem; as primeiras experiências masturbatórias; início da atividade sexual; jogos sexuais; atitude ante o sexo oposto; intimidades, namoros; experiências sexuais extraconjugais;
homossexualismo; separações e recasamentos; desvios sexuais. Ex: Teve sua primeira experiência sexual aos 18 anos com seu namorado, mantendo, desde então, relacionamentos heterossexuais satisfatórios com outros namorados…. – Trabalho: registrar quando o paciente começou a trabalhar, diferentes empregos e funções desempenhadas (sempre em ordem cronológica), regularidade nos empregos e motivos que levaram o paciente a sair de algum deles, satisfação no trabalho, ambições e circunstâncias econômicas atuais, aposentadoria. Ex: Conta que aos 20 anos obteve seu primeiro trabalho como contador numa empresa transportadora…. – Hábitos: uso do álcool, fumo ou quaisquer outras drogas. Caso não faça uso, assinalar: Não faz uso de álcool, fumo ou quaisquer outras drogas. – HISTÓRIA FAMILIAR (HF) – O item deve abrigar as relações familiares (começa-se pela filiação do paciente). – Pais: idade; saúde; se mortos; causa e data do falecimento; ocupação; personalidade; recasamentos se houver de cada um deles. Verificar se há caso de doença mental em um
deles ou ambos. Ex: A.F. é o quinto filho de uma prole de dez. Seu pai, J.C., falecido, em 1983, aos 70 anos, de infarto…. – Irmãos: idade; condições maritais; ocupação; personalidade. Indagar se há caso de doença mental. Apenas referir-se por iniciais. Ex: Seus irmãos são: A.M., 34 anos, solteiro, desempregado, descrito como violento, não se dá com ele. – Cônjuge: idade, ocupação e personalidade; compatibilidade; vida sexual; frigidez ou impotência; medidas anticoncepcionais. Ex: A.F. coabita maritalmente com G., 39 anos, do lar, descrita como carinhosa e boazinha. – Filhos: número; idades; saúde; personalidade. Também referir-se apenas pelas iniciais. Ex: Tem dois filhos: J., de 8 anos, cursando a 2ª série do 1º grau, apontado como carinhoso, mas cobra demais de mim e da minha mulher. – Lar: neste quesito, descreve-se, em poucas palavras, a atmosfera familiar, os acontecimentos mais importantes durante os primeiros anos e aqueles que, no momento, estão mobilizando toda a família; as relações dos parentes entre si e destes com o paciente.
A atenção é um processo psíquico que concentra a atividade mental sobre determinado ponto, traduzindo um esforço mental. É resultado de uma atividade deliberada e consciente do indivíduo foco da consciência a fim de inserir profundamente nossa atividade no real. Essa energia concentrada sobre esse foco está intimamente ligada ao aspecto da afetividade. Destaca-se aí a vigilância (consciência sem foco, difusa, com atenção em tudo ao redor) e a tenacidade (capacidade de se concentrar num foco). O paciente não pode ter essas duas funções concomitantemente exaltadas (o paciente maníaco, por exemplo, é hipervigil e hipotenaz), porém, pode tê-las rebaixadas, como no caso do sujeito autista, esclerosado ou esquizofrênico catatônico. Investiga-se assim: – atenção normal: ou euprossexia; normovigilância; – hipervigilância: ocorre num exagero, na facilidade com que a atenção é atraída pelos acontecimentos externos; – hipovigilância: é um enfraquecimento significativo da atenção, onde é difícil obter a atenção do paciente; – hipertenacidade: a atenção se adere em demasia a algum estímulo ou tópico; concentração num estímulo;
– hipotenacidade: a atenção se afasta com demasiada rapidez do estímulo ou tópico. Ex: Concentra-se intensamente no entrevistador e no que lhe é dito, abstendo-se completamente do que se passa à sua volta…. 5. Memória – É o elo temporal da vida psíquica (passado, presente, futuro). A memória permite a integração de cada momento. Há cinco dimensões principais do seu funcionamento: percepção (maneira como o sujeito percebe os fatos e atitudes em seu cotidiano e os reconhece psiquicamente), fixação (capacidade de gravar imagens na memória), conservação (refere-se tudo que o sujeito guarda para o resto da vida; a memória aparece como um todo e é um processo tipicamente afetivo), evocação (atualização dos dados fixados nem tudo pode ser evocado). Cabe ressaltar aqui que nada é fixado e evocado de maneira anárquica: há dependência das associações que estabelecem entre si (semelhança, contraste, oposição, contiguidade e causalidade), e reconhecimento (reconhecimento do anagrama (imagem recordada) como tal é o momento em que fica mais difícil detectar onde e quando determinado fato aconteceu no tempo e no espaço). A função mnésica pode ser avaliada pela rapidez,
precisão e cronologia das informações que o próprio paciente dá, assim como a observação da capacidade de fixação. O exame da memória passada (retrógrada) faz-se com perguntas sobre o passado do paciente, data de acontecimentos importantes. Contradições nas informações podem indicar dificuldades. Com relação à memória recente (anterógrada), podem ser feitas perguntas rápidas e objetivas, como: O que você fez hoje? Ou dizer um número de 4 ou 5 algarismos ou uma série de objetos e pedir para que o paciente repita após alguns minutos, se houver necessidade. Para o exame da memória de retenção pode-se pedir ao paciente que repita algarismos na ordem direta e depois inversa. A maior parte das alterações da memória é proveniente de síndromes orgânicas (amnésia, hiper ou hipomnésia). Ex: A.F. é capaz de fornecer dados com cronologia correta; consegue lembrar de informações recentes, como a próxima consulta com seu psiquiatra…. 6. Inteligência – O que se faz nessa avaliação da inteligência não é o que chamamos uma avaliação fina, realizada por meio de testes. É mais para se constatar se o paciente está dentro do chamado padrão de normalidade. Interessa a autonomia que o paciente tenha, a sua capacidade laborativa. Quando houver suspeita de déficit ou perda intelectiva, as informações podem ser obtidas pedindo-lhe que explique um trabalho que realize, alguma situação do tipo: Se tiver que lavar uma escada, começará por onde? Que defina algumas palavras (umas mais concretas, como igreja, outras mais abstratas, como esperança), que estabeleça algumas semelhanças, como, por exemplo, o que é mais pesado, um quilo de algodão ou de chumbo? A consciência, a inteligência e a memória estão alocadas entre as funções psíquicas de base. Ex: Durante as entrevistas percebe-se que o paciente tem boa capacidade de compreensão, estabelecendo relações e respostas adequadas, apresentando insights….Um déficit intelectivo (oligofrenia) é diferente de uma perda intelectiva, onde após o desenvolvimento psíquico ter atingido a plenitude ocorre uma baixa, indicando síndromes organocerebrais crônicas.Uma alteração de consciência pode indicar um quadro organocerebral agudo. Uma alteração de inteligência e memória pode indicar uma síndrome organocerebral crônica. 7. Sensopercepção – É o atributo psíquico, no qual o indivíduo reflete subjetivamente a realidade objetiva. Fundamenta-se na capacidade de perceber e sentir. Neste ponto, investigam-se os transtornos do eu sensorialmente projetados, simultâneos à percepção verdadeira, ou seja, experiências ilusórias ou alucinatórias que são acompanhadas de profundas alterações do pensamento. Ilusão é a percepção deformada da realidade, de um objeto real e presente, uma interpretação errônea do que existe. Alucinação é uma falsa percepção, que consiste no que se poderia dizer uma percepção sem objeto, aceita por quem faz a experiência como uma imagem de uma percepção normal, dadas as suas características de corporeidade, vivacidade, nitidez sensorial, objetividade e projeção no espaço externo. São significativas as alucinações verdadeiras (aquelas que tendem a todas as características da percepção em estado de lucidez), as pseudo-alucinações (mais representação do que realmente percepção; os relatos são vagos), as alucinações com diálogo em terceira pessoa, fenômenos de repetição e eco do pensamento, sonorização, ouvir vozes. As alucinações podem ser auditivas, auditivo-verbais (mais comuns), visuais, olfativas, gustativas, cenestésicas (corpórea, sensibilidade visceral), cinestésicas (movimento). As perguntas que esclareçam essa análise poderão ser feitas à medida que a oportunidade apareça. Porém, não se pode deixar de investigar completamente esse item. Algumas perguntas são sugeridas: Acontece de você olhar para uma pessoa e achar que é outra? Já teve a impressão de ver pessoas onde apenas existam sombras ou uma disposição especial de objetos? Você se engana quanto ao tamanho dos objetos ou pessoas? Sente zumbidos nos ouvidos? Ouve vozes? O que dizem? Dirigem-se diretamente a você ouse referem a você como ele ou ela? Falam mal de você? Xingam? De quê? Tem tido visões? Como são? Vê pequenos animais correndo na parede ou fios; Sente pequenos animais correndo pelo corpo? Tem sentido cheiros estranhos? Ex: Relata sentir um vazio na cabeça, mas que é bom, pois não ligo pros problemas da vida e ouvir uma voz que lhe diz ser um deus….Caso o paciente não apresente nenhuma situação digna de nota neste item, pode-se registrar: Não apresenta experiências ilusórias ou alucinatórias. 8. Pensamento – Por meio do pensamento ou do raciocínio, o ser humano é capaz de manifestar suas possibilidades de adaptar-se ao meio. É por ele que se elaboram conceitos, articulam-se juízos, constrói-se, compara-se, solucionam-se problemas, elaboram-se conhecimentos adquiridos, ideias, transforma-se e cria-se. Este item da anamnese é destinado à investigação do curso, forma e conteúdo do pensamento. Aqui se faz uma análise do discurso do paciente. a. Curso: Trata-se da velocidade com que o pensamento é expresso e pode ir do acelerado ao retardado, passando por variações.
Fuga de ideias: paciente muda de assunto a todo instante, sem concluí-los ou dar continuidade, numa aceleração patológica do fluxo do pensamento; é a forma extrema do taquipsiquismo (comum na mania). Interceptação ou bloqueio: há uma interrupção brusca do que vinha falando e o paciente pode retomar o assunto como se não o tivesse interrompido (comum na esquizofrenia). Prolixidade: é um discurso detalhista, cheio de rodeios e repetições, com uma certa circunstancialidade; há introdução de temas e comentários não pertinentes ao que se está falando. Descarrilamento: há uma mudança súbita do que se está falando. Perseveração: há uma repetição dos mesmos conteúdos de pensamento (comum nas demências). b. Forma: Na verdade, é um conceito difícil de se explicar. Porém, pode-se dizer que a forma é a maneira como o conteúdo do pensamento é expresso. O pensamento abriga um encadeamento coerente de ideias ligadas a uma carga afetiva, que é transmitida pela comunicação.
Há um caráter conceitual. As desordens da forma podem ocorrer por: perdas (orgânicas) ou deficiência (oligofrenia) qualitativas ou quantitativas de conceitos ou por perda da intencionalidade (fusão ou condensação, desagregação ou escape do pensamento, pensamento imposto ou fabricado), onde pode se compreender as palavras que são ditas, mas o conjunto é incompreensível, cessando-se os nexos lógicos, comum na esquizofrenia. É importante lembrar que a velocidade do pensamento (curso) pode ser normal, porém a forma pode estar alterada por conter ideias frouxas com o fluxo quebrado. Ex: Paciente apresenta um discurso com curso regular, porém não mantém uma coerência entre as ideias, que se apresentam frouxas e desconexas. c. Conteúdo: As perturbações no conteúdo do pensamento estão associadas a determinadas alterações, como as obsessões, hipocondrias, fobias e especialmente os delírios. Para se classificar uma ideia de delirante tem-se que levar em conta alguns aspectos: a incorrigibilidade (não há como modificar a ideia delirante por meio de correções). A ininfluenciabilidade (a vivência é muito intensa no sujeito, chegando a ser mais fácil o delirante influenciar a pessoa dita normal). A incompreensibilidade (não pode ser explicada logicamente). O delírio é uma convicção íntima e inemovível, contra a qual não há argumento. Os delírios podem ser primários (núcleo da patologia) ou secundários (são consequentes a uma situação social, a uma manifestação afetiva ou a uma disfunção cerebral). Uma distinção faz-se importante: a. delirium: rebaixamento da consciência (delirium tremens; delirium febril); b. delírio: alteração do pensamento (alteração do juízo); – b.1 – Ideia delirante: também chamada de delírio verdadeiro; é primário e ocorre com lucidez de consciência; não é consequência de qualquer outro fenômeno. É um conjunto de juízos falsos, que não se sabe como eclodiu. – b.2 – Ideia deliróide: é secundária a uma perturbação do humor ou a uma situação afetiva traumática, existencial grave ou uso de droga. Há uma compreensão dos mecanismos que a originaram. As ideias delirantes podem ser agrupadas em temas típicos de: – expansão do eu: (grandeza, ciúme, reivindicação, genealógico, místico, de missão salvadora,deificação, erótico, de ciúmes, invenção ou reforma, ideias fantásticas, excessiva saúde, capacidade física, beleza…).
– retração do eu: (prejuízo, auto-referência, perseguição, influência, possessão, humildades, experiências apocalípticas). – negação do eu: (hipocondríaco, negação e transformação corporal, autoacusação, culpa, ruína, niilismo, tendência ao suicídio). O exame do conteúdo do pensamento poderá ser feito por meio da conversa, com a inclusão hábil por parte do entrevistador de algumas questões que conduzam à avaliação. Pode-se perguntar se o paciente tem pensamentos dos quais não consegue se livrar (explicar quais), se acha que quando está andando na rua as pessoas o observam ou fazem comentários a seu respeito (explicitar); se os vizinhos implicam; se existe alguém que lhe queira fazer mal, alguma organização secreta; se acha que envenenam sua comida; se possui alguma missão especial na Terra (qual), se é forte e poderoso, rico; se frequenta macumba; se sofre de encosto; se espíritos lhe falam; se há alguma comunicação com Deus e como isso se processa. Aqui vale apontar para o fato cultural-religioso. Dependendo da religião que professa (espiritismo, umbanda, candomblé), algumas dessas situações podem ser observadas, sem, no entanto, a priori, fazerem parte de patologias. Ex: A.F. muda de assunto a todo instante e subitamente. Reconhece que já ficou bem ruim, mas nunca fiz sadomasoquismo, porque isso é coisa de judeu de olhos azuis. Mas, graças a Deus, nunca pisei numa maçonaria. Não influencio ninguém, mas sou influenciado. Sou o deus A., defensor dos fracos e oprimidos… 9. Linguagem – A comunicação é o meio que permite ao indivíduo transmitir e compreender mensagens. A linguagem é a forma mais importante de expressão da comunicação. A linguagem verbal é a forma mais comum de comunicação entre as pessoas. A linguagem é considerada como um processo mental predominantemente consciente, significativo, além de ser orientada para o social. É um processo dinâmico que se inicia na percepção e termina na palavra falada ou escrita e, por isso, se modifica constantemente. Neste tópico, o que irá nos interessar é o exame da linguagem falada e escrita. Sua normalidade e alterações estão intimamente relacionadas ao estudo do pensamento, pois é pela linguagem que ele passa ao exterior. Abaixo, enumeramos alguns tipos mais comuns de patologias que, não custa lembrar, poderão ser apenas descritos no exame psíquico e não denominados tecnicamente. – disartrias (má articulação de palavras), afasias (perturbações por danos cerebrais que implicam na dificuldade ou incapacidade de compreender e utilizar os símbolos verbais),verbigeração (repetição incessante de palavras ou frases), parafasia (emprego inapropriado de palavras com sentidos parecidos), neologismo (criação de palavras novas), jargonofasia (salada de palavras), mussitação (voz murmurada em tom baixo), logorréia (fluxo incessante e incoercível de palavras), para-respostas (responde a uma indagação com algo que não tem nada a ver com o que foi perguntado), etc.Ex: Expressa-se por meio de mensagens claras e bem articuladas em linguagem correta…. 10. Consciência do Eu – Este item refere-se ao fato de o indivíduo ter a consciência dos próprios atos psíquicos, a percepção do seu eu, como o sujeito apreende a sua personalidade. As características formais do eu são: – sentimento de unidade: eu sou uno no momento; – sentimento de atividade: consciência da própria ação; – consciência da identidade: sempre sou o mesmo ao longo do tempo; – cisão sujeito-objeto: consciência do eu em oposição ao exterior e aos outros. O terapeuta orientará sua entrevista no sentido de saber se o paciente acha que seus pensamentos ou atos são controlados por alguém ou forças exteriores, se sente hipnotizado ou enfeitiçado, se alguém lhe rouba os pensamentos, se existe eletricidade ou outra força que o influencie, se pode transformar-se em pedra ou algo estático, se sente que não existe ou se é capaz de adivinhar e influenciar os pensamentos dos outros. 11. Afetividade – A afetividade revela a sensibilidade intensa da pessoa frente à satisfação ou frustração das suas necessidades. Interessa-nos a tonalidade afetiva com que alguém se relaciona, as ligações afetivas que o paciente estabelece com a família e com o mundo, perguntando-se sobre: filhos, pai, mãe,irmãos, marido ou esposa, amigos, interesse por fatos atuais. Pesquisa-se estados de euforia, tristeza, irritabilidade, angústia, ambivalência e labilidade afetivas, incontinência emocional, etc. Observa-se, ainda, de maneira geral, o comportamento do paciente. Ex: É sensível frente à frustração ou satisfação, apresentando ligações afetivas fortes com a família e amigos…. 12. Humor – O humor é mais superficial e variável do que a afetividade. É o que se pode observar com mais facilidade numa entrevista; é uma emoção difusa e prolongada que matiza a percepção que a pessoa tem do mundo. É como o paciente diz sentir-se: deprimido, angustiado, irritável, ansioso, apavorado, zangado, expansivo, eufórico, culpado, atônito, fútil, autodepreciativo. Os tipos de humor dividem-se em:
– normotímico: normal; – hipertímico: exaltado; – hipotímico: baixa de humor; – distímico: quebra súbita da tonalidade do humor durante a entrevista; No exame psíquico, descreve-se o humor do paciente sem, no entanto, colocá-lo sob um título técnico. Ex: O paciente apresenta uma quebra súbita de humor, passando de um estado de exaltação a um de inibição…. 13. Psicomotricidade – Todo movimento humano objetiva satisfação de uma necessidade consciente ou inconsciente. A psicomotricidade é observada no decorrer da entrevista e se evidencia geralmente de forma espontânea. Averigua-se se está normal, diminuída, inibida, agitada ou exaltada, se o paciente apresenta maneirismos, estereotipias posturais, automatismos, flexibilidade cérea, ecopraxia ou qualquer outra alteração. Ex: Apresenta tique, estalando os dedos da mão direita…. 14. Vontade – Está relacionada aos atos voluntários. É uma disposição (energia) interior que tem por princípio alcançar um objetivo consciente e determinado. O indivíduo pode se apresentar normobúlico (vontade normal) ter a vontade rebaixada (hipobúlico), uma exaltação patológica (hiperbúlico), pode responder a solicitações repetidas e exageradas (obediência automática), pode concordar com tudo o que é dito, mesmo que sejam juízos contraditórios (sugestionabilidade patológica), realizar atos contra a sua vontade (compulsão), duvidar exageradamente do que quer (dúvida patológica), opor-se de forma passiva ou ativa, às solicitações (negativismo), etc. Ex: Apresenta oscilações entre momentos de grande disposição interna para conseguir algo e momentos em que permanece sem qualquer tipo de ação…. 15. Pragmatismo – Aqui, analisa-se se o paciente exerce atividades práticas como comer, cuidar de sua aparência, dormir, ter autopreservação, trabalhar, conseguir realizar o que se propõe e adequar-se à vida. Ex: Exerce suas tarefas diárias e consegue realizar aquilo a que se propõe…. 16. Consciência da doença atual -Verifica-se o grau de consciência e compreensão que o paciente tem de estar enfermo, assim como a sua percepção de que precisa ou não de um tratamento. Observa-se que considerações os pacientes fazem a respeito do seu próprio estado; se há perda do juízo ou um embotamento. Ex: Compreende a necessidade de tratamento e considera que a terapia pode ajudá-lo a encontrar melhores soluções para seus conflitos…. VIII. SÚMULA PSICOPATOLÓGICA – Uma vez realizado e redigido o exame psíquico, deverão constar na súmula os termos técnicos que expressam a normalidade ou as patologias observadas no paciente. Trata-se de um resumo técnico de tudo o que foi observado na entrevista. Aconselha-se seguir-se uma determinada ordem, assim como na redação do exame psíquico. A disposição da súmula deverá constar de um único parágrafo, com cada item avaliado limitado por ponto. Costuma-se não usar a palavra normal para qualificar qualquer um dos itens, evitando-se, assim, possíveis distorções com relação ao conceito de normalidade. Com o objetivo de melhor esclarecer, apresentamos um exemplo de súmula de um paciente que apresentava uma hipótese diagnóstica de quadro maníaco com sintomas psicóticos. Lúcido. Vestido adequadamente e com boas condições de higiene pessoal. Orientado auto e alopsiquicamente. Cooperativo. Normovigil. Hipertenaz. Memórias retrógrada e anterógrada prejudicadas. Inteligência mantida. Sensopercepção alterada com alucinação auditivo-verbal. Pensamento sem alteração de forma, porém apresentando alteração de curso (fuga de ideias e descarrilamento) por ocasião da agudização do quadro e alteração de conteúdo (idéias deliróides de perseguição, grandeza e onipotência). Linguagem apresentando alguns neologismos. Consciência do eu alterada na fase aguda do quadro. Nexos afetivos mantidos. Hipertimia. Psicomotricidade alterada, apresentando tiques. Hiperbúlico. Pragmatismo parcialmente comprometido. Com consciência da doença atual. Com a súmula, é possível a outro profissional da área, em poucos minutos, inteirar-se da situação do paciente. IX. HIPÓTESE DIAGNÓSTICA – Diagnóstico é uma palavra de origem grega e significa reconhecimento. No ato médico, refere-se ao reconhecimento de uma enfermidade por meio de seus sinais e sintomas.Trata-se aqui de diagnóstico nosológico a ser seguido em conformidade com a CID-10. De acordo com o que pode ser observado durante a entrevista, propõe-se uma hipótese de diagnóstico, que poderá ser esclarecida, reforçada ou contestada por outro profissional ou exames complementares, se houver necessidade. Não é demais lembrar que poderá haver um diagnóstico principal e outro(s) secundário(s), em comorbidade. Ex: F. A. Mania com sintomas psicóticos.
X. HIPÓTESE PSICODINÂMICA – A hipótese psicodinâmica e a atuação terapêutica deverão constar em outra folha à parte. Um entendimento psicodinâmico do paciente auxilia o terapeuta em seu esforço para evitar erros técnicos. Há que se ter uma escuta que vá além do que possa parecer à primeira vista. A compreensão da vida intrapsíquica do paciente é de fundamental importância no recolhimento de dados sobre ele. Uma avaliação psicodinâmica não prescinde da avaliação realizada na anamnese. Pode ser considerada, inclusive, como uma extensão valiosa e significativa dela. É na busca do funcionamento psicodinâmico do paciente que se tem um melhor entendimento do quanto ele está doente, de como adoeceu e como a doença o serve. Estabelecido um bom rapport entre entrevistador e paciente, é de fundamental importância que este último seja compreendido como alguém que em muito contribui para o seu próprio entendimento, além de ajudar na precisão de um diagnóstico. O paciente não é uma planta sendo observada por um botânico. É uma pessoa que, por não conseguir mais se gerenciar sozinho, busca auxílio em outro ser humano. Sente medo, ansiedade, desconfiança, alegria e está diante de uma outra pessoa que ele julga poder auxiliá-lo. À medida que esse entendimento vai se estruturando, o entrevistador pode começar a formular hipóteses que liguem relacionamentos passados e atuais do paciente, assim como a repetição de seus padrões de relação e comportamento. Deve haver, portanto, uma interpretação global da problemática desse paciente a respeito do que pode estar causando suas dificuldades atuais, motivo da busca de ajuda profissional. Fica evidente que uma hipótese psicodinâmica vai além do que o paciente diz. Alcança, também, o estilo de relação que ele estabelece com o terapeuta e que dá indícios de sua demanda latente. Também é preciso ressaltar que a hipótese psicodinâmica está sempre baseada num referencial teórico seguido pelo terapeuta, que deverá circunscrever o funcionamento psicodinâmico do paciente, formulando uma hipótese que resuma, da melhor maneira possível, a psicodinâmica básica do paciente. É ainda importante lembrar que a hipótese psicodinâmica formulada serve apenas como uma compreensão maior do funcionamento do paciente para o terapeuta e deve conter em seu bojo o foco e o conflito nuclear.