A RESISTÊNCIA NA OBRA DE FREUD

Escrito por Rosimeri Bruno Lopes 

Resumo: A importância da resistência para a evolução da técnica da teoria psicanalítica é demonstrada através de diversos trabalhos de Freud. Esse artigo pretende colocar alguns conceitos sobre resistência, voltando especial atenção nas suas relações entre os conceitos de transferência e recalque.
Palavras-Chave: Psicanálise, Resistência, Transferência, Recalque

Introdução

A resistência é um conceito fundamental para a psicanálise. Encontra-se presente em quase todos os textos freudianos, e atravessa todo o processo de análise. Está implicada numa série de fenômenos relacionados aos conflitos intrapsíquicos, mas também aos que dizem respeito à relação intersubjetiva.

A palavra “resistência” apresenta diversos significados. Contudo, na psicanálise, esta palavra toma um sentido singular e bem difundido, merecendo o status de um importante conceito central. Numa síntese das definições, podemos dizer que o conceito de resistência na psicanálise, segundo Roudinesco e Plon (1998, apud Mattos, s.d.) designa: “o conjunto das reações de um analisando cujas manifestações, no contexto do tratamento, criam obstáculos ao desenrolar da análise” e segundo Laplanche e Pontalis (1998, apud Mattos, s.d.): “tudo o que, nos atos e palavras do analisando, se opõe ao acesso deste ao seu inconsciente”

Alguns aspectos de uma resistência podem ser conscientes e outra parte fundamental é realizada pelo ego inconsciente. As resistências são repetições das produções defensivas realizadas pelo paciente em sua vida. As diversificações dos fenômenos psíquicos podem ser  objetivados na resistência, mas, qualquer que seja sua fonte, a resistência age através do ego do paciente.

De acordo com Paniago (2008) a Resistência é um mecanismo inconsciente ligado à parte do eu regida pelo princípio de realidade, que procura saídas contra a invasão dos elementos indesejáveis provenientes do próprio inconsciente e dos conteúdos recalcados. Quanto mais pressionado o eu se encontra, mais fortemente se apega a resistência.

A resistência representa uma atitude de oposição do paciente às descobertas do analista aos seus desejos inconscientes. Representa tudo aquilo que atrapalha o trabalho terapêutico e funciona como obstáculo a elucidação dos sintomas e a evolução do tratamento (OLIVEIRA, 2004).

Este trabalho tem por objetivo revisar os principais pontos nos estudos da psicanálise em que o tema resistência foi abordado: conceito, histórico, tipos, bem como uma breve análise dos seus pontos de articulação entre transferência e recalque. 

1. Histórico e Compreensão da Resistência

A primeira vez que o termo resistência aparece na teoria freudiana é no relato do caso clínico da Srta. Elizabeth Von R: “No curso desse difícil trabalho, comecei a atribuir maior importância à resistência oferecida pela paciente na reprodução de suas lembranças” (FREUD, 1893-1895, p. 178).

A resistência aparece na clínica como força contrária a qualquer tentativa de rompimento do isolamento estabelecido pelo recalque a um conjunto de representações. Ou seja, sempre que o trabalho de análise se aproxima de uma representação recalcada, a resistência se manifesta, tentando impedir esse trabalho, como obstáculo à rememoração. Nesse contexto, Freud reconhece que qualquer mudança no estado de seus pacientes exigiria um percurso muito mais laborioso do tratamento, haja vista o tempo e o esforço empregados no processo de superação do obstáculo imposto pela resistência ao trabalho de associação livre (VENTURA, 2009)

Freud já mencionava a resistência enquanto um obstáculo à hipnose do livro Hipnotismo, onde escreve que “essa influência apenas raramente se efetua sem resistência da parte da pessoa hipnotizada”. Ainda nesse artigo, afirma que “sempre que surge uma intensa resistência contra o uso da hipnose, devemos renunciar ao método e esperar até que o paciente, sob a influência de outras informações, aceite a idéia de ser hipnotizado” (FREUD, 1891/1987, p. 125).

A partir da mudança da terapêutica desvinculada da hipnose, Freud pode verificar que as recordações esquecidas não haviam se perdido, mas mantinham-se detidas por uma força que, a princípio, denominou resistência. Neste momento, encontramos o “ponto de virada” do método catártico para o método psicanalítico. Essa “virada”, se completa com a publicação de “A Interpretação do Sonho”, quando notamos que aí sim, o conceito de recalcamento adquire um posicionamento mais preciso através da distinção entre inconsciente e consciente, ambos entendidos como sendo sistemas psíquicos (TOMASELLI, s.d.)

Laplanche e Pontalis (1988, p. 596) apontam como a razão de Freud ter renunciado à hipnose e à sugestão, o fato de que “a resistência maciça que lhes apunham certos pacientes lhe parecia ser por um lado legítima, e, por outro, não poder ser superada nem interpretada”.

Assim como a hipnose, Freud também observou que a técnica da pressão podia falhar na tarefa de suscitar as lembranças esquecidas, apesar de toda a insistência empregada junto ao paciente. Quando isso acontecia, Freud percebia que havia encontrado uma oposição para penetrar em uma camada mais profunda da cadeia de representações (VENTURA, 2009)

Segundo Oliveira (2004), Freud pensava que a causa da resistência era a ameaça ao aparecimento de idéias e afetos desagradáveis. Essas idéias tinham sido reprimidas e resistiam à rememoração por serem de natureza dolorosa e capazes de despertar afetos de vergonha, autocensura, dor física. Na segunda fase da Psicanálise a Resistência passou a ser percebida também como contra a apercepção de impulsos inaceitáveis. Assim sendo, era entendida como distorções das lembranças inconscientes, disfarçadas na associação livre.

Em relação ao fenômeno clínico da resistência, Freud foi abandonando de vez a sugestão existente nas técnicas da hipnose e da pressão, passando a investir no fluxo de associações livres do paciente, sem constrangimento, sem crítica e guiada pelo acaso. E ao perceber e conceituar teoricamente o fenômeno clínico da resistência, Freud abandonou as técnicas utilizadas até então em sua terapêutica e começou a percorrer um caminho particular, rumo à criação da própria psicanálise (VENTURA, 2009).

2. Tipos de Resistências

De acordo com Conedera (2009), Freud complementa sua exposição sobre as resistências encontradas na análise, dividindo-as em cinco tipos, que provêm de três direções: do ego, do id e do superego:

2.1 Do ego – “O ego é a fonte de três, cada uma diferindo em sua natureza dinâmica”. São elas: a resistência da repressão, a resistência da transferência – que estabelece uma relação com a situação analítica, reanimando assim uma repressão que deve somente ser relembrada – e a resistência originada do “ganho proveniente da doença” baseada numa “assimilação do sintoma no ego” (COSTA, 2009).

2.1.1 Resistência da Repressão: Poderia ser considerada como a manifestação clínica da necessidade do indivíduo de se defender de impulsos, recordações e sentimentos que, se emergissem na consciência, causariam um estado de sofrimento, ou ameaçariam causar tal estado.

2.1.2 Resistência da Transferência: Essencialmente semelhante à resistência da repressão, possui a especial qualidade de, ao mesmo tempo que a exprime, também refletir a luta contra impulsos infantis que, sob forma direta ou modificada, emergiram em relação à pessoa do analista.

2.1.3 De ganho secundário: Esses ganhos secundários oriundos dos sintomas são bem conhecidos sob a forma de vantagens e gratificações obtidas da condição de estar doente e de ser cuidado ou ser objeto do compadecimento dos outros, ou sob a forma de gratificação de impulsos agressivos vingativos para com aqueles que são obrigados a compartilhar o sofrimento do paciente.

2.2 Do Id – Resistência que necessita de elaboração. Devido à resistência dos impulsos instintuais a qualquer modificação no seu modo e na sua forma de expressão. Segundo Freud (1926): “E…como os senhores podem imaginar, é provável que haverá dificuldades se um processo instintual, que por décadas inteiras trilhou novo caminho que recém se lhe abriu.”

2.3 Do Superego – resistência enraizada no sentimento de culpa do paciente ou na sua necessidade de punição. Freud considerava a “resistência do superego” como sendo a mais difícil de o analista discernir e abordar. Ela reflete a ação de um “sentimento inconsciente de culpa” (1923) e é responsável pela reação aparentemente paradoxal do paciente a todo passo que, no trabalho analítico, representa a materialização de um ou outro impulso de que vão se defendendo pressionados pela sua consciência moral.

Mesmo assim, Freud descreveu os tipos e fontes das resistências da seguinte maneira: “Não se deve supor que essas correções nos proporcionem um levantamento completo de todas as espécies de resistência encontradas na análise. A investigação ulterior do assunto revela que o analista tem de combater nada menos que cinco espécies de resistência, que emanam de três direções — o ego, o id e o superego” (FREUD, 1926).

3. A Resistência e a Transferência

Freud define a transferência como reedições, reproduções das moções e fantasias que despertam com o decorrer da análise. Experiências psíquicas passadas são revividas como atuais, a partir do vínculo com o analista. Algumas transferências são substituições apenas. Freud também apresenta a transferência em seu caráter paradoxal, como uma resistência. Ela é utilizada para produzir empecilhos que tornam o material recalcado inacessível ao tratamento (MONTES, s.d.).

Segundo Corrêa (2003), a transferência é o ponto de impasse para que o analisando não fale à respeito de si, afinal, para não “ferir” o analista, aquele que representa o Ideal do eu, Sujeito Suposto Saber, o analisando evita mostrar suas vulnerabilidades e angústias, evita mostrar o avesso, e transferencialmente fala apenas o que para o mesmo satisfaz o analista. Inconscientemente existe o desejo de ser amado pelo analista, caracterizando-se como um pedido de amor incondicional, um pedido de ajuda.

Ainda em Corrêa (2003), vale lembrar que resistência e transferência são peças fundamentais no tratamento. Em virtude disso, afirma-se que o grande e árduo trabalho da análise é o manejo da transferência, sendo denominada de “motor da resistência”, pois por si só é uma resistência e as questões inconscientes favorecem seu aparecimento. Sem sua presença não há análise e para desvendar o conteúdo que mantém vivo o sintoma na figura do analisando, faz-se necessário que ele acredite nas suas ilusões, para somente depois se desfazer delas e ser sujeito que tenta saber de si, mesmo que isto instaure dor e sofrimento.

Se considerarmos a perspectiva freudiana de que a transferência, mesmo sendo essencial ao tratamento analítico, pode vir a tomar  forma de resistência, capaz de provocar a suspensão do processo analítico. Com isso, poderemos afirmar então que, em Freud, a transferência é por si mesma, um impasse. E impasse paradoxal, uma vez que, sem ela, uma análise seria inconcebível, mas, com ela, o tratamento sempre correria o risco de se interromper ou de tomar rumos não previstos, colocando em jogo tal processo. (LAIA, s.d.)

4. Resistência e Recalque

Falar de resistência nos remete, mais uma vez, aos primórdios da psicanálise. Foi através do obstáculo a explicação dos sintomas e ao desenvolvimento do tratamento que a resistência foi descoberta, permitindo a Freud elaborar e desenvolver o conceito de recalque, pedra fundamental de sua teoria (FONTE, s.d.).

“Há uma forte relação entre resistência e recalque. A resistência é a força que mantém a idéia incompatível fora da consciência, portanto, mantém a idéia recalcada” (PANIAGO, 2008)

De acordo com Veloso (2005), a descoberta de Freud sobre da resistência dos pacientes levou-o a enunciar o princípio fundamental do recalcamento, descrito como o processo de expulsão ou exclusão de qualquer idéia, lembrança e desejo inaceitáveis da consciência, operando apenas no Inconsciente. Freud referia-se à repressão como a única explicação possível para a resistência. As idéias ou os impulsos desagradáveis não apenas eram expulsos da consciência, como também forçados a permanecer fora. O terapeuta deve ajudar o paciente a trazer esse material reprimido para o consciente a fim de enfrentá-lo e aprender a lidar com ele.

Importante para o que tratamos neste momento, o conceito de recalque se apresentou à teoria psicanalítica por meio do fenômeno clínico da resistência, que aparece com o abandono da hipnose.

A teoria do recalque é a parte mais essencial da psicanálise e, todavia nada mais é senão a formulação teórica de um fenômeno que pode ser observado quantas vezes se desejar se empreende a análise de um neurótico sem recorrer à hipnose. Em tais casos encontra-se uma resistência que se opõe ao trabalho de análise e, a fim de frustrá-lo, alega falha de memória. O uso da hipnose ocultava essa resistência; por conseguinte, a história da psicanálise propriamente dita só começa com a nova técnica que dispensa a hipnose (VALLE, s.d.).

A resistência pode ser considerada, com relação ao recalque, a manifestação exterior desse mecanismo de defesa, cuja função é manter fora da consciência uma representação ameaçadora. Quanto mais o trabalho analítico se aproxima de uma representação recalcada, maior e mais intensa é a resistência contra esse trabalho. (VENTURA, 2009)

Freud vai chegar à conclusão que toda idéia ou pensamento recalcado era, na realidade, desejos, e que estes sim sofriam recalque. Eram desejos que de alguma maneira não podiam se realizar e por isso eram recalcados. O desejo, então, ficava retido no inconsciente e, desta forma, o sujeito não tinha conhecimento dele. Era um desejo não reconhecido como próprio, um desejo inconsciente (MACHADO, 2003).

Conclusão

A resistência não pode ser apreendida sem que se envolvam os demais conceitos, especialmente os de transferência e recalque, onde provavelmente vale para o restante da rede de conceitos em psicanálise. Verificou-se nesse trabalho que o conceito de resistência é obstáculo ao processo analítico e ao mesmo tempo possibilita o curso do tratamento. O trabalho analítico exige uma elaboração apesar das resistências que são impostas tanto ao analista como ao sujeito. A resistência tal qual a transferência são mecanismos de defesa e são imprescindíveis para a realização do tratamento psicanalítico. Sem elas, não há psicanálise. Uma aparece na tentativa de encobrir e se proteger de lembranças dolorosas, a outra como a repetição de uma relação passada, e as duas trazem consigo material riquíssimo para a clínica analítica.

Fonte: A Resistência na Obra de Freud – Psicanálise – Abordagens – Psicologado Artigos http://artigos.psicologado.com/abordagens/psicanalise/a-resistencia-na-obra-de-freud#ixzz1olYnZSgD

Referências:

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COSTA, A. C. E-book. Psicanálise e Saúde Mental: A análise do sujeito psicótico na instituição psiquiátrica. São Luis/MA. EDUFMA, 2009. Disponível em: http: // http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/fm000009.pdf. Acesso em 23 de agosto de 2011.

CONEDERA, M C. Conceitos Importantes em Psicanálise, 2009. Disponível em:http://psicanaliseclinica.cristina.zip.net/. Acesso em 30 de agosto de 2011.

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FONTE, Maria Lia Avelar. De onde vem a resistência? Disponível em:http://www.interseccaopsicanalitica.com.br/int-participantes/lia-da-fonte-index.html. Acesso em 28 de agosto de 2011.

LAIA, S. Impasses na Transferência. Disponível em: http://www.ebp.org.br/ biblioteca/pdf_biblioteca/Sergio_Laia_Impasses_na_transferencia.pdf. Acesso em 29 de agosto de 2011.

LAPLANCHE, J., & PONTALIS, J.-B. (1988). Vocabulário da psicanálise. IN MATTOS, A. S. A gênese do conceito de resistência na psicanálise. Disponível em:http://www.ip.usp.br/portal/index.php?option=com_content &view=article&id=1921%3Av3n1a03-a-genese-do-conceito-de-resistencia-na-psicanalise&catid=340&Itemid=91&lang=pt#1a. Acesso em 23 de agosto de 2011.

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MONTES Fernanda Ferreira. A transferência e o trabalho dos analistas nos últimos tempos. Disponível em: http:// www.fundamentalpsychopathology.org/material/congresso2010/mesas_redondas/MR82-Fernanda-Ferreira-Montes.pdf. Acesso em 29 de agosto de 2011.

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ROUDINESCO, E. & PLON, M. (1998). Dicionário de psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. IN MATTOS, André Santana. A gênese do conceito de resistência na psicanálise. Disponível em:http://www.ip.usp.br/portal/index.php?option=com_content&view= article&id=1921%3Av3n1a03-a-genese-do-conceito-de-resistencia-na-psicanalise&catid=340&Itemid=91&lang=pt#1a. Acesso em 23 de agosto de 2011.

OLIVEIRA, M. P. S. A Influência da Resistência no Tratamento da Neurose, 2004. Disponível em: http://www.libertas.com.br/site/base/oliveira,.maria.helena.2004.pdf. Acesso em 23 de agosto de 2011.

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VELOSO, Carlos Linhares. A Clínica Geral da Nova Psicanálise: Uma contribuição para o Campo da Saúde Coletiva, 2005. Disponível em:http://www.iesc.ufrj.br/posgrad/teses/Disserta%E7%E3o%20Carlos%20Linhares.pdf. Acesso em 25 de agosto de 2011.

VENTURA, Rodrigo. Os paradoxos do conceito de resistência: do mesmo à diferença. Estud. psicanal.,  Belo Horizonte,  n. 32, nov.  2009 . Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-34372009000100018&lng=pt&nrm=iso>. Acessos em 21 agosto 2011.

Fonte: A Resistência na Obra de Freud – Psicanálise – Abordagens – Psicologado Artigos http://artigos.psicologado.com/abordagens/psicanalise/a-resistencia-na-obra-de-freud#ixzz1olYxuZX8

A Psicanálise de Crianças: o Brincar como Recurso Terapêutico

Escrito por Polliana Oliveira Coutinho Melo e Alderon Marques Cantanhede Silva | Publicado em Terça, 06 Março 2012 22:02

Resumo: O presente artigo é resultado de uma revisão da literatura acerca da psicanálise de crianças e das principais psicopatologias desenvolvidas durante esta fase da vida. Além de esclarecer um pouco da psicanálise de crianças, trata-se também de desmistificar o ideário popular de que as crianças não têm uma estrutura psíquica inconsciente, a importância do brincar na clínica psicanalítica como recurso terapêutico importante para o processo de análise, bem como o papel do Psicólogo frente a essa questão e conhecer as formas como essa estrutura se manifesta além do surgimento de psicopatologias na infância até o seu processo de análise. 
Palavra-Chave: 
brincar, infância, psicopatologia

Introdução

A infância é a fase onde o individuo acumula vivências e experiências que lhe servirão de base na construção da sua subjetividade, desse modo, também é neste período que o individuo começa a estruturar a sua personalidade. Sabe-se que alguns transtornos podem prejudicar esse processo, entre os transtornos mais comuns na infância estão os de ansiedade, de humor, de déficit de atenção e hiperatividade e os globais do desenvolvimento, como o autismo.

Quando o psicanalista propõe uma sessão analítica aproximada do brincar, feita em um ambiente de confiança e relaxamento e que visa à descoberta e construção do eu, ele faz isto de um modo que sustenta certa posição sobre a psicopatologia. Estamos diante de uma visão radical que entende que todos nós estamos imersos na psicopatologia e na saúde ao mesmo tempo, onde Winnicott nos esclarece que “é importante para nós não encontrarmos clinicamente qualquer linha nítida entre a saúde e o estado esquizóide ou mesmo entre a saúde e a esquizofrenia plenamente desenvolvida”. (WINNICOTT, 1975, p.96).

É importante ressaltar que fazendo uma revisão da literatura acerca do tema, percebemos que as teorias sobre o complexo de Édipo, tanto em Freud, Klein, Winnicott e Lacan, apresentam a concepção de um sujeito marcado pelo universo da castração. É a partir da castração que a sexualidade infantil encontra um ponto de ordenação, e é essa ordenação que oferece condições de construção da identidade sexual.

Segundo Freud, 1905, p.161 “(…) apenas impulsos sexuais impregnados de desejo oriundos da infância, que experimentaram repressão (…) durante o período de desenvolvimento infantil, são capazes de ser revividos durante períodos de desenvolvimento posteriores (…) e acham-se assim aptos a fornecer a força motivadora para a formação de sintomas (…).” O infantil é o que fica sob a barra da censura, e esse infantil não é senão o sexual, para Freud sempre traumático. O sintoma aparece no lugar do trauma sexual, e nisso as articulações iniciais de Lacan não fazem senão retomar Freud.

A partir do Complexo de Édipo, e da forma como o sujeito lida com a castração é que vai constituir as estruturas, a saber, neurótica, psicótica ou perversa e a partir delas é que podem surgir psicopatologias ou não, as mais diversas.

A Psicanálise de Crianças

Ao pesquisarmos sobre psicanálise de crianças sempre encontramos o nome de Hermine Von Hug-Hellmuth, pois lhe é atribuído o mérito de ser a primeira psicanalista de crianças. Hellmuth, 1921, apud, Avellar, pag. 28, “reconhece a importância da comunicação da criança na primeira sessão, considerando que esta comunicação contém o complexo nuclear da neurose infantil. Valoriza a utilização do brincar e da ação simbólica como forma de permitir o desvelamento dos sintomas e da problemática da criança”.

Logo após Hug-Hellmuth, Melanie klein e Anna Freud também passaram a estudar o tema e a utilizar em sua prática clínica. Melanie Klein, por exemplo, analisava seus filhos observando-os brincar. Para Klein, apud, Roza, 1993, a problemática da criança não é algo que depende das suas relações com o ambiente, mas é o produto da sua própria constituição interna. Anna Freud, apud, Roza, 1993 fez várias críticas ao método utilizado por Klein, discordando disso e pontuando que na clínica psicanalítica, o brincar não poderia ser usado como método de associação livre, pois o psiquismo das crianças é diferente dos adultos. Também questionou o papel do analista, dizendo que se este parasse para observar as crianças brincando, fugiria às regras técnicas da psicanálise deixadas por seu pai, Sigmund Freud. Para Anna Freud, o papel do analista seria confundido com o de pedagogo ou professor, confundiria ainda o papel da escuta com o da disciplina.

Para Winnicott, o brincar é universal, uma forma básica de viver, e é somente no brincar que o indivíduo pode ser criativo. O referido autor nos diz que “viver criativamente constitui um estado saudável, e a submissão é uma base doentia para a vida” (WINNICOTT, 1975, p. 95).

A forma como Winnicott concebe o brincar tem a ver com dois tempos. No primeiro tempo, o bebê e o objeto estão juntos. A visão do objeto que o bebê tem é subjetiva. A mãe suficientemente boa se orienta para concretizar aquilo que o bebê busca, a isto, Winnicott chama de criatividade primária, que só é possível mediante uma ação de muito amor da mãe na direção de seu bebê, uma ação que só aos poucos se desfaz.

No segundo tempo, o objeto é ignorado como não-eu, aceito de novo e objetivamente percebido. Neste tempo, a mãe devolve ao bebê o objeto que ele ignorou. A mãe oscila entre ser o que o bebê busca e ser ela própria, aguardando ser encontrada. Se a mãe tem sucesso no exercício destes papéis, então o bebê vive a experiência da onipotência, o que o prepara para a futura desilusão necessária. Quando a mãe tem uma relação de sintonia inicial com o bebê, estabelece-se um ambiente de confiança e o bebê brincacom a realidade.

Segundo Lacan, 1998, o inconsciente se estrutura como uma linguagem. Partindo desse ponto de vista, surge uma dúvida: como é possível fazer análise de criança se estas não conseguem verbalizar e fazer associações livres? Mas esta não é questão de embaraço para os analistas de criança como Françoise Dolto e Maud Mannoni, que continuaram fazendo seus trabalhos com criança e obtendo resultados, F. Dolto, por exemplo vai nos comunicar que no universo humano tudo é linguagem.

Eliza Santa Roza, médica pediatra e psicanalista, pesquisou sobre o tema, e para melhor entender essa questão coloca que as crianças não falam como os adultos, tem no jogo a sua forma preferencial de interpretação do mundo e do outro (SANTA-ROZA, 1993), sendo que a prova disso é a constituição da neurose infantil, sendo este o signo e a forma de constituição do sujeito do inconsciente.

É característico do comportamento infantil o brincar, por isso a psicanálise infantil tem a proposta de deixar a criança livre para se expressar da maneira que lhe convém, e provavelmente a criança irá brincar. Mesmo que o consultório não tenha brinquedos, ela faz de tudo um brinquedo, dessa forma, começa a se expressar brincando, através do brincar a criança irá expressar suas fantasias reprimidas, seu inconsciente. E, quando o brincar se dá de forma bizarra ou ele não aparece é sinal de que há alguma psicopatologia grave.

A Estrutura Inconsciente da Criança

Sendo a infância uma fase de descobertas e aprendizados, a criança desde que nasce está em constante aprendizado e a principal referência são os cuidadores, em especial a mãe, no qual para o bebê nos primeiros meses de vida tem a mesma como parte de si. Ao longo do seu desenvolvimento e ao passar por alguns estágios, é que o bebê vai percebendo o mundo externo e aprendendo por meio de outras fontes, exploração de objetos e outras pessoas que agora são referências. Ao passar por essas etapas seu psiquismo vai sendo formado, e a maneira como ele apreende o que lhe é marcado é estruturante para a formação da sua personalidade.

A perspectiva psicanalítica de Freud surgiu no início do século XX, dando especial importância às forças inconscientes que motivam o comportamento humano. Freud, baseado na sua experiência clínica, acreditava que a fonte das perturbações emocionais residia nas experiências traumáticas reprimidas nos primeiros anos de vida. Acreditava também que a personalidade forma-se nos primeiros anos de vida, quando as crianças lidam com os conflitos entre os impulsos biológicos inatos, ligados às pulsões e às exigências da sociedade. Considerou que estes conflitos ocorrem em fases baseadas na maturação do desenvolvimento psicossexual. Acreditava que o fato das crianças receberem muita ou pouca gratificação em qualquer uma das fases do desenvolvimento psicossexual, pode levar ao risco de fixação, uma parada no desenvolvimento, e podem precisar de ajuda para ir além do tempo dessa fase. Acreditava ainda que as manifestações de fixações na infância emergiam em adulto.

A infância é a época da vida em que há a maior capacidade de recepção e reprodução, na qual é muito comum a presença da amnésia que, segundo a Psicanálise é um recalcamento, ou seja, envio de conteúdos conscientes, os quais nos trazem sofrimento para o inconsciente, a fim de proteger o nosso psiquismo. A amnésia, na maioria das pessoas, encobre os conteúdos sexuais até os seis ou oito anos de idade.

Antes de falar sobre o desenvolvimento psicossexual infantil, nos Três Ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905, 2006), Freud nos aponta três conceitos básicos que serão discutidos na sequência deste trabalho: zonas erógenas, pulsões e libido.

Freud considerava as zonas erógenas como fontes das diversas pulsões parciais, órgãos produtores da libido como a boca, pele, movimento muscular, mucosa anal, pênis, clitóris, sendo que em cada idade predomina uma zona erógena específica. As pulsões são inatas (instinto) e consiste na estimulação e satisfação da zona erógena específica de cada fase.

A libido é segundo Freud, a energia dos instintos sexuais enquanto a fase libidinal é a organização do desejo sexual em uma zona erógena específica. De acordo com Freud, o desenvolvimento psicossexual infantil organiza-se da seguinte forma: Auto-erotismo, anterior ao narcisismo, caracteriza-se por ser o “instinto sexual mais primitivo”, ou seja, a ausência de objeto sexual exterior.

Sobre as fases do desenvolvimento psicossexual temos a fase oral que vai desde o nascimento até os 2 anos de idade. Nesse período, a zona de erotização é a boca e o prazer está ligado à ingestão de alimentos, estimulação e excitação da mucosa dos lábios e da cavidade bucal e tem como objetivo a incorporação do objeto;

A fase anal inicia-se por volta dos 18 meses, estando situada entre os dois e quatro anos. Como o próprio nome diz, a zona de erotização é o ânus. Nesta fase será desenvolvido o modo de relação do objeto: “ativo” e “passivo”, o que está intimamente ligado ao controle dos esfíncteres (anal e uretral). Para Freud a defecação oferece prazer erótico à criança.

A fase fálica surge por volta do quarto ou quinto ano de vida, quando o foco do prazer muda do ânus para os genitais. Há o surgimento de perguntas como “Por que eu tenho pênis e as meninas não?”. Freud se ocupou desde 1909 da cura de uma criança de cinco anos, o pequeno Hans, atingida por uma neurose fóbica, medo de cavalos. Desde lá, o tratamento analítico com crianças vem sofrendo mudanças. Infelizmente, porém, muitos se afastaram do sentido dado ao sintoma, preocupando-se apenas com o real dele, não observando os conteúdos emocionais da criança que estão presentes.

O período de latência não é uma fase psicossexual de desenvolvimento, o instinto sexual está adormecido, temporariamente sublimado em atividades escolares, hobbies e esportes e no desenvolvimento de amizades com pessoas do mesmo sexo. Então, ao realizar a avaliação e acompanhamento psicológico de uma criança é necessário mergulhar no universo do desenvolvimento infantil e do brincar, pois se tratam de dois processos indissociáveis para um desenvolvimento saudável.

Segundo Lacan, 1998, p. 100  a função do estádio do espelho é estabelecer uma relação do organismo com a realidade. O estádio do espelho é um drama cujo impulso interno precipita-se da insuficiência para a antecipação e que fabrica as fantasias que se sucedem desde uma imagem despedaçada do corpo até uma forma de sua totalidade. O eu constrói-se à imagem do semelhante e primeiramente da imagem que lhe é devolvida pelo espelho. O bebê olha para a mãe buscando a aprovação do Outro simbólico. Lacan também enfatizou que o investimento da mãe, o olhar relacionado à imagem do filho que gostaria de ter, antecipa um sujeito que está por se constituir.

Por meio desse investimento externo sobre o psiquismo vai ocorrer um estado em que a criança investe toda sua libido em si mesma. A criança vai poder reconhecer-se. Lacan, 1976, diz que quando se constrói essa imagem de si mesmo, vai ser defendida como uma necessidade de satisfação narcísica, que se transformará na demanda de ser objeto do amor de um outro. O bebê antes do estádio do espelho se sente como um corpo fragmentado. Sua mãe faz parte dele e ela sente como se ele fosse parte dela. O bebê busca o prazer através do seio materno, porém só quando o bebê perde o objeto do seu desejo é que ele percebe que sua mãe não faz parte do seu corpo e não é completa. Esta perda vem através do significante do pai que são as leis e limitações naturais da vida.

A mãe primeiro satisfaz a criança com a amamentação e também pelos seus afetos, seus desejos, seus sintomas, que se estendem ao filho para serem simbolizados. Tudo isso que a mãe está propiciando ao bebê vai permitir sua sobrevivência psíquica. A mãe passa a lhe oferecer um olhar, palavras, toques carinhosos e isso vai construindo no bebê uma vida mental. Segundo Leda Bernardino, 2008, p.60 “ele vai estar vivendo experiências que tem significação, a partir do que o outro materno vai passando para ele como experiências boas ou ruins”.

O pai, enquanto função deve sustentar os atributos a ele conferidos pela mãe e se presentificar perante o filho para garantir a este a saída da totalidade materna. A função paterna possibilita a inserção do sujeito na cultura. Na ligação primeira com a mãe, o sujeito não se move para além daquele mundo mãe-bebê, onde o acolhimento e o vínculo instauram esta posição de um ser do outro, ou seja, um como extensão do outro:

“O pai priva alguém daquilo que, afinal de contas, ele não  tem, isto é, de algo que só tem existência na medida em  que se faz com que surja na existência como símbolo. O pai não castra a mãe de uma coisa que ela não tem. Para que fique postulado que ela não o tem, é preciso que isso de que se trata já esteja projetado no plano simbólico como símbolo. Mas há de fato uma privação, uma vez que toda privação real exige simbolização. Assim é o plano da privação da mãe que, num dado momento da evolução do Édipo, coloca-se para o sujeito a questão de aceitar, de registrar, de simbolizar, ele mesmo, de dar valor designificação a essa privação da qual a mãe-se objeto. ‘Essa privação, o sujeito infantil a assume ou não, aceita ou recusa’”. (Lacan, 1999, p 191, in Bernardino, 2008, pág. X)

É a partir dessa castração do pai, onde ele coloca a mãe no lugar de mulher e faz o filho perceber que ele não tem o falo (a mãe), é que a criança aceitando ou não essa condição, vai começar a se perceber como sujeito desejante e se estruturar enquanto sujeito. Portanto uma das principais contribuições da psicanálise é reconhecer a criança, desde a mais tenra idade, como um sujeito de si mesma, considerando aquele que se atende e/ou trata como sujeito de seus desejos inconscientes.

O Brincar na Clínica Psicanalítica

A criança, ao nascer, vem como um ser frágil, como um ser familiar, inédito. Dessa forma, há a necessidade da reorganização do tempo, do espaço, dos sentimentos e das expectativas. Então, de acordo com a hospitalidade recebida e com a relação desenvolvida entre o novo sujeito, a mãe e o pai (ou quem assuma a função dos cuidadores) estruturarão o psiquismo do sujeito.

Nos primeiros meses após o nascimento, a mãe (ou quem exerça a função materna), possui a função de ego auxiliar da criança. Dessa forma, o narcisismo deve ser alimentado pela mãe em relação ao bebê, pois tal investimento é fundamental para a construção de uma auto-imagem positiva. Além disso, é fundamental que a mãe e os demais cuidadores alimentem a questão narcísica não só através do amor, carinho e atenção destinadas à criança, mas também através da estimulação adequada e necessária para o desenvolvimento físico e psicossocial desse sujeito. Entretanto, para a estruturação do psiquismo neurótico, é imprescindível a frustração da questão narcísica no sentido de mostrar para a criança limites e o entendimento de que no mundo não deve imperar somente o seu desejo. Portanto, é através das frustrações que o sujeito irá aprender a canalizar os seus desejos, e assim, poderá desenvolver e vivenciar a ética em relação aos seus desejos e ao outro.

As brincadeiras oferecem uma maneira de entrar no universo infantil. Através do brincar, a criança acelera seu desenvolvimento. Através dessa atividade, ela aprende a fazer, a conviver e, sobretudo, aprende a ser. Além de instigar curiosidade, a autoconfiança e a autonomia, proporciona o desenvolvimento da linguagem, do pensamento, da concentração e da atenção.

É importante esclarecer que brinquedo, brincadeira e jogo são termos que podem se confundir de acordo com o idioma utilizado. Em Português, brincar refere-se a uma atividade lúdica não estruturada. Segundo Vygotsky (1991), a brincadeira é uma situação imaginária criada pela criança e onde ela pode, no mundo da fantasia, satisfazer desejos até então impossíveis para a sua realidade. A brincadeira é simbólica, livre, não estruturada e tem um fim em si mesma, pois trata-se da brincadeira pelo prazer de brincar. Entretanto, todo tipo de brincadeira pode estar embutido de regras, pois a criança experimenta e assume as regras pré-estabelecidas e comportamentos baseados nas suas vivências. Dessa forma, o brincar favorece o desenvolvimento cognitivo, pois os processos de simbolização e representação levam ao pensamento abstrato.

O ato de brincar, além de proporcionar um melhor desenvolvimento, pode também incorporar valores morais e culturais, e assim, a criança será preparada para enfrentar o meio social.

É através das brincadeiras espontâneas que o ocorre o desenvolvimento da inteligência e das emoções, e assim, as crianças desenvolvem a sua individualidade, sociabilidade e vontades. A brincadeira é importante para incentivar não só imaginação e afeto nas crianças durante o seu desenvolvimento, mas também para auxiliar no desenvolvimento de competências cognitivas e sociais.

A participação nas brincadeiras em grupo também representa uma conquista cognitiva, emocional, moral e social para a criança e um estímulo para o desenvolvimento de seu raciocínio lógico. “A criança que brinca investiga e precisa ter uma experiência total que deve ser respeitada. Seu mundo é rico e está em contínua mudança, incluindo-se nele um intercâmbio permanente entre fantasia e realidade” (ABERASTURY, 1992. p. 55).

Através das brincadeiras em grupo, a criança aprende a conviver em grupo, desenvolve sentimentos de afetos, respeito. Segundo Melanie Klein (1997), ao brincar, a criança pode representar simbolicamente suas ansiedades e fantasias e expressar seus conflitos inconscientes procurando superar experiências desagradáveis.

Os pais ou as pessoas que cuidam da criança têm fundamental influência no desenvolvimento dela, pois é durante muito tempo, o espelho da criança para que ela construa os seus recursos psíquicos para o enfrentamento da vida. Além disso, os cuidadores são os responsáveis por proporcionar a criança meios que estimulem o desenvolvimento da criança como um todo. Através do equilíbrio entre as relações de apego desenvolvidas com os pais e a resolução do Édipo a criança começa a construir a sua personalidade, que também sofre influência da cultura, da forma como a família e a sociedade tratam de forma diferenciada os sexos, os papéis sociais atribuídos.

Além dos fatores influenciadores já apresentados, é interessante explicitar que os irmãos e a convivência com outras crianças também influenciam no desenvolvimento psicossocial. A convivência com os irmãos pode influenciar de maneia positiva ou negativa, dependendo da postura dos pais diante dessa situação, principalmente no que diz respeito a “dividir o que têm” e ao ciúme. A convivência com outras crianças também se desenvolve nesse mesmo viés e também faz parte do mundo social da criança, até porque as crianças demonstram, principalmente após um ano de vida, interesse por pessoas que não são de dentro de casa, especialmente as do mesmo tamanho que elas.

O paciente traz para a sessão elementos de experiências oriundas da realidade socialmente sustentada e os usa como elementos de enriquecimento e transformação no campo transicional, com efeitos no mundo interno. A sessão sem que haja alucinação vira um espaço de passagem entre o mundo interno e o mundo externo, com duplo sentido, com potencial de criar ou recriar a transicionalidade infantil. Há interpretação dos fatos externos e internos e até uma manipulação deles a partir da experiência criada na sessão.

Em O brincar e a realidade, Winnicott fala de um paradoxo quanto trata de fenômenos transicionais e espaços potenciais. Ele apela contra o intelectualismo: “Minha contribuição é solicitar que o paradoxo seja aceito, tolerado e respeitado, e não que seja resolvido. Pela fuga para o funcionamento em nível puramente intelectual, é possível solucioná-lo, mas o preço disso é a perda do valor do próprio paradoxo. (WINNICOTT, 1975, p.10). Temos, portanto que “o brincar é essencial porque é através dele que se manifesta a criatividade” (Op. cit., p.80).

Em Lacan, o brincar é entendido como um ato, surgido como efeito da estruturação significante do Sujeito. O que importa é o brincar e não propriamente o brinquedo, pois o brincar faz a criança querer conhecer o outro.

Psicopatologias na Infância

Ao falar sobre psicopatologias é importante lembrar um pouco sobre os conceitos de normal e patológico. Essa é uma questão que preocupa mais aos filósofos do que os médicos, pois este último se preocupa mais em saber o que vai fazer por seu paciente sem saber se é normal ou patológico. No caso dos psiquiatras infantis, estes levam em consideração não só as queixas trazidas, mas, observam alguns aspectos na criança, antes de enquadrá-la em uma psicopatologia. Normal e patológico são termos indissociáveis, pois um não se define sem o outro. E, antes de dizer se algo é normal ou patológico é preciso observar vários aspectos da vida do sujeito, portanto não nos ateremos à questão do normal e do patológico.

A psicopatologia fundamental, conforme Fédida (1988) tem a ver com a descoberta de que nossa experiência psíquica é sempre sofrida. Tem a ver com a construção de uma visão singular desta dor de cada um, uma singularidade ligada à história do desejo e da frustração do desejo de cada um. Tem a ver com a aceitação criativa, não resignada, não submissa desta experiência de sofrimento e dor; está ligada à história de cada um que permite a fundação de si. A análise poderá ser um espaço de experiência e de criação de si, onde se aprende com a própria dor e se aprende a desistir de não sofrer.

Freud, desde cedo focou sua atenção no passado infantil de pacientes adultos neuróticos, pois a neurose de transferência está diretamente ligada à revivescência da neurose infantil e seu desenvolvimento caracteriza o desenrolar do tratamento. Na psicanálise a criança é o centro, mas é uma criança particular, pelo menos nos primeiros textos psicanalíticos, a criança pela qual a psicanálise se interessa é, em primeiro lugar, uma criança reconstruída, uma criança-modelo.

As principais psicopatologias da infância, como mencionadas no início do trabalho, são os transtornos de ansiedade, de humor, de déficit de atenção e hiperatividade e os globais do desenvolvimento, como o autismo e, alguns casos de psicoses graves.

A ansiedade constitui tanto em crianças como em adultos a porta de entrada para a maioria das condutas psicopatológicas. Na criança surgem as complexas relações entre ansiedade de separação, dita desenvolvimental e angústia de separação, dita patológica. As crianças ansiosas vivem permanentemente com um sentimento de apreensão, como se algo ruim fosse acontecer. Nas crianças pequenas até a puberdade a angústia de separação é a manifestação mais freqüente. Um exemplo de ansiedade fóbica é o Pequeno Hans. Essa angústia pode estagnar de acordo com o desenvolvimento da criança ou pode evoluir para fobias ou até mesmo para uma psicose.

A origem dos quadros de psicose infantil estaria na ocorrência de distorções no relacionamento mãe-bebê. Segundo Margareth Mahler (1983) parece haver crianças que devido a uma inerente fragilidade do ego desde o estágio de indiferenciação, tornam-se alienadas do meio ambiente. Essas seriam as crianças com “psicose autística infantil”, em que a mãe parece nunca ter sido percebida pela criança, nem como entidade emocionalmente significativa, nem como representante do não-eu.

A mãe deve funcionar como “ego-auxiliar” da criança. Quando a sustentação, conforme Winnicott, exercida pela mãe for bem sucedida, a criança a vive como uma “continuidade existencial”, no entanto, quando falha, o bebê terá uma experiência subjetiva de ameaça, que obstaculiza o desenvolvimento normal. A falta deholding adequado provoca uma alteração no desenvolvimento, cria-se uma casca (o falso self) em extensão da qual o indivíduo cresce, enquanto o núcleo (o verdadeiro self) permanece oculto e sem poder se desenvolver. O falso self surge pela incapacidade materna de interpretar as necessidades da criança. O desenvolvimento do falso self às custas do verdadeiro self, se relaciona a uma amplitude na escala de psicopatologia que irá desde sensações subjetivas de vazio, futilidade e irrealidade até tendências anti-sociais, psicopatia e psicoses.

Em 1970, Ajuriaguerra na 1ª edição do manual de psiquiatria infantil definiu a psicose infantil como um transtorno de personalidade dependente de um transtorno da organização de eu e da relação da criança com o meio ambiente, este trabalho sofreu revisões estando em sua 5ª edição e organização de Marcelli (1998), mas mantendo o principal da pesquisa e conceituações das edições anteriores.

Segundo Spackman (1998), as crianças com transtornos psiquiátricos apresentam vulnerabilidade no comportamento, afetividade e relacionamento interpessoal, estes aspectos devem ser vistos em primeiro lugar. O autismo é uma das formas mais comuns de psicose infantil e, traduz a incapacidade da criança em estabelecer um sistema adequado de comunicação com seu ambiente. Estas são descritas como calmas e felizes quando estão sós, não se manifestam, o olhar é vazio, ausente e é difícil fixar. Elas usam objetos como as pessoas, de maneira parcial, bizarra e não simbólica, em manifestações repetitivas. Ao longo de seu desenvolvimento muitas características vão surgindo, mas é necessário um acompanhamento terapêutico.

Contudo, analisando as patologias infantis e articulando à prática clínica de vários psicanalistas infantis percebemos que a psicanálise é uma teoria bem fundamentada para a análise de crianças, pois acompanha o desenvolvimento desta, chegando ao seu inconsciente através do brincar, pois brincando a criança projeta suas angústias e seu mundo psíquico na brincadeira, sendo possível o analista chegar ao inconsciente da criança.

Considerações Finais

Diante desta análise literária, percebemos que a psicanálise de criança sofreu muitas alterações desde a época de Freud até os dias atuais.  O brincar sempre foi o foco principal com este público, pois através dele a criança projeta seu mundo psíquico na brincadeira.

O setting terapêutico com crianças, principalmente em Winnicott é um espaço lúdico, de descoberta, de desfrute e acima de tudo prazeroso, tanto para o paciente como para o analista, onde este está ali junto à criança não para ela fazer associações livres verbais, pois em algumas vezes estas associações verbalizadas causam angústia na criança. Na brincadeira o analista está ali não como externo ao mundo do paciente, nem interno a ele, mas é um mediador para que a criança possa projetar na brincadeira sua patologia, seu mundo psíquico sem ter consciência total do que está acontecendo.

Contudo, ressaltamos a importância do brincar para as crianças, pois através dele ela ressignifica suas angústias. Na análise, o brincar criativo é uma possibilidade da criança diante de sua realidade, onde ela pode se reorganizar e perceber possibilidades diante da realidade vivida por ela.

Fonte: A Psicanálise de Crianças o Brincar como Recurso Terapêutico – Psicanálise – Abordagens – Psicologado Artigos http://artigos.psicologado.com/abordagens/psicanalise/a-psicanalise-de-criancas-o-brincar-como-recurso-terapeutico#ixzz1olZMKIND

Referências:

ABERASTURY, Arminda. A criança e seus jogos. Marialzira Perestrello, (trad.). Porto Alegre: Artmed, 1992.

AVELLAR, Luziane Zacché. Jogando na análise de crianças: intervir-interpretar na abordagem winnicottiana. Tese de Doutorado. PUC-SP, 2001

BERNARDINO, Leda Mariza Fischer. Aspectos psíquicos do desenvolvimento infantil. Ágalma, 2008.

FEDIDA, P. Clínica psicanalítica — Estudos. Trad. C. Berliner et al. São Paulo: Escuta, 1988

FREUD, S. Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade. In: Obras psicológicas completas: Edição Standart Brasileira. Vol VII. Rio de Janeiro: Imago, 1905; 2006.

FREUD, S. (1996) Edição standard brasileira das obras psicológicas completas. Comentários e Notas de J. Strachey. Colaboração de A. Freud. Edição brasileira dirigida por J. Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1996

KLEIN, M. A psicanálise de crianças.    Rio de Janeiro: Imago, 1997

LACAN, J.- “O estádio do espelho como formador da função do eu.” in Escritos, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1998.

LACAN, J. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998

LACAN, J. O seminário. Livro: 5: as formações do inconsciente. Rio de Janeiro: Zahar, 1999.

MAHLER, M. As psicoses infantis e outros estudos. Porto Alegre: Artes Médicas. 1983

MARCELLI, D. Manual de psicopatologia da infância de Ajuriaguerra, trad. Patrícia Chittoni Ramos. – 5. ed.. Porto Alegre: Atmed, 1998.

ROZA, Eliza Santa. Quando Brincar é Dizer. A experiência psicanalítica na infância, 2ª Ed. Relume-Dumará, Rio de Janeiro, 1993.

VYGOTSKY, L. S. A Formação Social da Mente. São Paulo, Martins Fontes, 1991.

WILLARD/SPACKMAN. Terapia Ocupacional. Madrid: Panamericana. 8ª Ed. 915 1998.

WINNICOTT, D. W. O brincar & a realidade. Trad. J. O. A. Abreu e V. Nobre. Rio de Janeiro: Imago. 1975

Fonte: A Psicanálise de Crianças o Brincar como Recurso Terapêutico – Psicanálise – Abordagens – Psicologado Artigos http://artigos.psicologado.com/abordagens/psicanalise/a-psicanalise-de-criancas-o-brincar-como-recurso-terapeutico#ixzz1olZTavSf

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