João Calvino, o teólogo
Melanchton, desde que o encontrou em Worms em 1541 e o viu desmantelar os argumentos de um teólogo católico, passou a chamá-lo: O teólogo.
Ninguém com maior autoridade do que o conceituado professor de grego da Universidade Wittemberg, também reconhecido como hábil teólogo, segundo muitos, o acessor de Lutero, em questões doutrinárias, para atribuir a Calvino tal qualificativo.
Como observa T.H.L. Parker – no seu Portrait of Calvin (pg 49) – Calvino no conceito de Melanchton, não era apenas um teólogo, como os demais, haveria muitos outros, mas nenhum da envergadura de Calvino, nenhum teólogo na mesma acepção de Calvino. Sim, Calvino era o teólogo como Aristóteles era o filósofo, para a Idade Média — ímpar, sem competidor.
Costuma-se dizer que o poeta nasce. Creio que também o teólogo. Em Calvino os dons naturais aliaram-se a uma vasta cultura fruto de dedicação indomável aos estudos e um absoluto zelo pela verdade.
Observa-se que se Lutero foi combativo, Calvino foi metódico. “A senha de Lutero seria: Guerra! Guerra! de Calvino seria: Ordem! Ordem! (The teaching of Calvin. Hunter pg. 6).
Diferente de Melanchton, o homem apaziguador, sempre tendente a fazer concessões, Calvino era inamovível nas suas convicções. “Prefiro morrei cem vezes a torcer a espessura de um fio de cabelo a linha reta” The Teaching of Calvin pg. 4).
Escreve carta franca e sincera a Nicholas Zerkinder, um grande amigo, que, no entanto, discorda de Calvino em matéria de predestinação: “Quando a autoridade das Escrituras é inatacável, não é lícito fugir dela”.
Daí salientarmos que uma das grandes virtudes de Calvino, como teólogo cristão era a sua absoluta dependência da autoridade da Bíblia. Mesmo em face da morte, no seu leito de moribundo afirma: “Não torci nenhum texto das Escrituras e nem procurei interpretação subtil ou cavilosa. Procurei de acordo com a medida da graça que me foi dada ensinar a Sua palavra com pureza, tanto nos meus sermões como nos meus escritos” (Cartas Vol. IV pg. 366) “Nebulosidade para Calvino era tão desagradável como a confusão” (The Teaching of Calvin Hunter pg. 7).
Jules Bonnet o chamou de “teólogo exato”. Calvino é admirador de Agustinho, a quem cita constantemente, mas declara que “embora o admire aborreço a sua prolixidade”.
Albert — Marie Schmidt, em sua biografia de Calvino afirma: “ninguém conseguiu ainda explicar satisfatoriamente aquilo que se constitui em quase um milagre: que Calvino ao dar expressão ao seu pensamento sólido, use o que chamaríamos a linguagem da eternidade, a qual tem sobrevivido à devastação do tempo sem perder sua atualidade em qualquer circunstância.
Embora o estilo de Rabelais, contemporâneo de Calvino, tenha se tornado obscuro para nós, no entanto, com Calvino, somos capazes de atinar mesmo com o seu significado mais oculto e interpretar, sem dificuldades, a mais fugidia alusão usada pelo escritor (Calvin and the Calvinistic Tradition, Schmidt pg. 94).
A preparação esmerada de Calvino responde também pelo êxito da sua obra teológica prodigiosa. Preparado tanto nas letras clássicas antigas como na literatura eclesiástica; capaz de escrever um latim tão correto como dos melhores autores de todos os tempos; conhecedor do pensamento tanto dos pais gregos como latinos; familiarizado com os filósofos e pensadores de todas as épocas, tinha pois a seu dispor um cabedal enorme de referência e consulta.
Mais de um autor ressalta a prodigiosa memória de Calvino, já bem cedo revelada e que se fez em ferramenta utilíssima à sua tarefa de teólogo.
Em Calvino, a sua infalível fluência de pensamento e o domínio fácil da linguagem pertinente, juntava-se uma memória que parecia nada esquecer, a qual tinha o dom de recorrer instantaneamente a todas as suas reservas. Ele era capaz de citar exemplos pertinentes, passagens ilustrativas da História Eclesiástica; citações corroborativas de padres; contribuição útil dos clássicos, sem qualquer esforço, provocando estupefação, exaltação e inveja. (The Teaching of Calvin Hunter pgs. 3-4).
Calvino é um poderoso argumento contra teólogos modernos que afirmam que o teólogo deve ser um observador, à parte dos fatos objetivos. Nesse caso não deve freqüentar a Igreja para não ser in-fluido pela sua tradição ou preconceitos.
Calvino era um homem “para quem a religião era o próprio hálito da vida”. Calvino não fez e nunca faria uma teologia de caprichos. Se podia dizer, com segurança, que nunca torceu qualquer texto, podia também afirmar: “nada escrevi por ódio a ninguém, mas sempre apresentei fielmente aquilo que julguei ser para a glória de Deus” (Cartas Col. IV pg. 375).