“São do mundo, mas não estão no mundo”. Esta é a nova versão produzida pelo
evangelicalismo contemporâneo (e não só!) através do torneamento da fórmula bem
conhecida “Estão no mundo, mas não são do mundo”. O moderno evangélico é do
mundo, mas não está no mundo. Mais mundano que nunca, ele está, porém, cada vez menos empenhado em estar física e moralmente no mundo através do compromisso ordenado por Cristo ao qual chamamos a Grande Comissão “Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda a criatura”.
É cada vez mais recorrente a ânsia a que se assiste ao orar e clamar por um reavivamento espiritual nas igrejas. É salutar que os crentes assim o desejem.
Queremos ver as igrejas locais cheias de almas sedentas do Evangelho, queremos ver conversões e baptismos, queremos ver a obra de Deus a ser realizada e, muito legitimamente, queremos fazer parte dela, ou, na maioria das vezes, queremos provocá-la ou, simplesmente, fazê-la por nós próprios. Isto porque a pressão à qual o crente está sujeito pela inactividade e mornidão das comunidades
evangélicas cria, invariavelmente, um desespero legítimo pelo cumprimento do mandamento de Deus no que respeita à evangelização.
Seja como for, legítima ou ilegitimamente as igrejas locais anseiam por um reavivamento religioso. Curioso é de observar o seu modus operandi na maior parte das suas acções. Congressos, conferências, grandes ajuntamentos, manifestações, jejuns, cursos de “plantação de igrejas”, novas tecnologias, tudo serve para dar graças a Deus sem que, porém, nada a médio-longo prazo tenha a
devida consistência. Mais raramente existem reuniões de oração, pregação fiel da Palavra e testemunho pessoal e directo. É interessante ver que as igrejas, recorrentemente, actuam de um modo inversamente proporcional à maneira como Cristo actuava: Cristo pregava e orava muito; nas igrejas cada vez se prega e ora menos. O mesmo se passava com os apóstolos e todos aqueles grandes homens
que estiveram envolvidos em reavivamentos e em cujo testemunho, escrito ou oral, era evidente a pregação expositiva fiel e a oração fervente. Não apenas deles em particular, mas das suas congregações em geral. Além do mais, eles não edificavam a Igreja, apenas plantavam. Mas sabiam plantar bem.
As reuniões de oração, tal como as de pregação (se assim lhes posso chamar, pois qualquer reunião tem de ter pregação. Vejo reuniões de jovens com várias actividades atraentes, concertos da chamada música cristã, passeios, lanches, teatros, encontros informais, mas raramente a velha reunião de oração e pregação) tendem a desaparecer por causa da sua irrelevância a um público encharcado dos media onde o controlo remoto o faz sentir dono e senhor da realidade a observar e onde a velocidade é rainha nesta era de ebulição técnico-social. Não há mais paciência para ouvir, apenas para observar como se
faz com a TV, observar passiva e languidamente. E se não se aprecia um programa muda-se imediatamente para outro. Instantaneamente. Sem complexos. Rapidamente.
Tal é a geração Zapping (Termo que consiste em mudar de canal de televisão constantemente, fazendo uso do telecomando). Com o controlo do mundo (seu mundo) na ponta dos dedos, o zappista apenas escolhe a realidade para ele mais interessante num determinado ponto do tempo. Tal é o crente na igreja.
Não gosta, muda de canal. É monótono, muda de canal. É chato, muda de canal. Há programas mais divertidos, muda de canal. O pastor é rigoroso, muda de pastor. A igreja é fastidiosa, muda de igreja.
E ansiamos por um reavivamento!
“Quando o teu povo de Israel for ferido diante do inimigo, por ter pecado contra ti, e se converterem a ti, e confessarem o teu nome, e orarem, e suplicarem a ti nesta casa, ouve tu, então, nos céus, e perdoa o pecado do teu povo de Israel, e torna a levá-lo à terra que tens dado a seus pais” (1 Reis 8.33 – 34). Se falta a pregação de exortação, de repreensão, de consolação e a oração de súplica, de louvor, de arrependimento, então como pode haver reavivamento? Se o povo de Deus não reconhece o seu pecado, não as suas imperfeições, ou pecadilhos, ou fraquezas, mas o pecado passado e presente com
todo o seu peso de juízo, então como quer este povo que Deus aja? Sim, o pecado passado não denunciado, o colectivo, não apenas o individual, mas, por solidariedade, o pecado de todos nós, da igreja local, até do povo e do país.
Sim, se gozamos da promessa feita a nossos pais é coerente dizer que também temos sobre os nossos ombros o que decorre dos seus pecados, não no particular (a alma que pecar, essa morrerá, Ezequiel), mas no geral (Eu, o SENHOR, teu Deus, sou Deus zeloso, que visito a maldade dos pais nos filhos até
à terceira e quarta geração daqueles que me aborrecem, Êxodo). Como ser solidário numa época de perfeito anonimato e privacidade? Como ter arrependimento numa época em que o importante não é não pecar, mas que não se saiba que se peca e na qual se estima que o que faço não concerne os demais?
Reavivamento? Apenas quando houver pregação fiel, incisiva e poderosa acompanhada por oração de arrependimento e súplicas. De outro modo vamos ter igrejas que dormem. Algumas andam sonâmbulas, isto é, andam, falam, ouvem, mas dormindo. Parecem acordadas, mas, de facto, dormem. E sabemos o perigo de acordar sonâmbulos.